quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Golpes de Génio - I'm Not There

Realização: Todd Haynes
Argumento: Todd Haynes
Elenco: Cate Blanchett, Christian Bale, Heath Leger, Richard Gere, Ben Wishaw, Marcus Carl Franklin

'There he lay: poet, prophet, outlaw, fake.. star of electricity. God rest his soul and his rudness.'

Contamos histórias. Falamos de homens, de vidas e, no fim, parece sempre faltar algo. I'm Not There não é um filme biográfico, é uma viagem pelas muitas vidas de Bob Dylan - do que foi, do que se tornou e do que gostaria de ter sido. É uma viagem pela alma de um dos artistas mais importantes do último século - e feito com tanto amor, com tanta inspiração que acabamos por admirar Dylan não como um todo, mas como uma soma das suas partes.

A viagem começa num comboio. Dylan é um rapazinho negro (Marcus Carl Franklin) cuja fala e música carregam em si o peso da idade - 'Live your own time child. Sing about your own time'. Salta de comboio em comboio, de família em família e visita o seu velho herói Woodie Guthrie no hospital (algo que Dylan nunca teve oportunidade de fazer). Dylan é um músico folk (Christian Bale) tornado padre. Passa à frente. Vimos uma mulher a chorar em frente à televisão - a guerra do Vietname acabou, e com ela a sua relação. É a primeira mulher de Dylan (Heath Ledger). Os tempos mudam, e Dylan (Cate Blanchet) muda com eles. Traiu o seu público. Abandonou o folk. É uma estrela de rock. Não. Agora é um bandido a cavalo (Richard Gere) que vai errando pelas estradas perdidas da memória, esquecido do caminho para casa.

A idade, a cor da pele, o cenário ou a época não são importantes. Bob Dylan foi todas estas pessoas e não foi nenhuma. Enquanto espectadores, somos transportados pelas músicas e pelas histórias - mas não nos é permitido interferir. Acabamos o filme um pouco mais perto do homem, mas sem nunca saber o que ele fez. Alguém há pouco tempo me disse que 'se nos esforçarmos muito para sermos uma coisa, mais cedo ou mais tarde não conseguimos fugir dela'. Ao longo da nossa vida não somos um, somos muitos. E os muitos que somos não se medem pelo que fazemos mas pelo que sentimos, pelo que sonhamos.

Se algum dia falarem de nós, que nos falem por dentro. Que nos mostrem pelos vários que somos. Que contem das nossas falhas, dos nossos erros, das nossas inconsistências. Que contem as vezes que falámos sem sentir, que sentimos sem falar. Que nos façam justiça, para bem ou para mal. Mas para ser: que seja a preto e branco, e com Dylan a tocar por trás!


'A poem is like a naked person... but a song is something that walks by itself'

10 comentários:

  1. Já o vi tanta vez e deixo-me sempre levar pela força das imagens, da banda sonora, da América profunda, das histórias e da poesia.
    “People are always talking about freedom. Freedom to live a certain way, without being kicked around. Course the more you live a certain way, the less it feel like freedom.”Gosto muito.
    Não que eu seja grande fã de Dylan mas também aconselho isto: http://www.imdb.com/title/tt0367555/

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  2. Isso é o melhor documentário sobre Dylan. Uma obra-prima do nosso amigo Scorcese! Realmente este filme 'tá cheio de citações memoráveis. Foi horrível ter de o resumir a 3 parágrafos!

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  3. Tem lá muita coisa dentro este filme. É uma matrioska, um verdadeiro banquete. Eu até aconselho ver o documentário primeiro. Mas mesmo não se sabendo nada sobre Dylan o filme vale por si só.

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  4. Pensamento de um dia difícil: Não é triste isso de "se nos esforçarmos muito para sermos uma coisa, mais cedo ou mais tarde não conseguimos fugir dela"? Parece-me que sim. Não é melhor simplesmente sermos aquilo que somos e evitarmos aquela tarefa chata e ingrata de mentirmos a nós e a quem nos rodeia?

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  5. "Sou vasto, encerro contradições".

    Estranha biografia essa... de uma alma, ou de muitas.

    Depois deste artigo, só me falta ver o filme!

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  6. Anónimo parece-me que sim, mas vai dizer isso ao Dylan..

    Master 'tou à espera que vejas para me dizeres se gostaste!

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