Realização: Steven Spielberg
Argumento: Peter Benchley, Carl Gottlieb
Elenco: Roy Scheider, Richard Dreyfuss, Robert
Shaw, Lorraine Gary
Passam exactamente quarenta anos sobre
um dos filmes da minha adolescência e, mais do que isso, sobre uma das películas
que mais marcas e lembranças me deixou. Ainda hoje, um adulto feito, meto o pé
no Tejo e, sabendo de antemão que aquilo é um rio, por vezes não consigo evitar
algum temor. É mesmo assim, tem tanto de tolo como de verdadeiro. Pelo misto de
fascínio e terror pelo animal, confesso, que me leva a devorar toda a
informação que consigo, entre textos e documentários, mas também por algumas
imagens eternamente alojadas na mente: imagens de Jaws, de Steven Spielberg.
Página marcante e com uma
incontornável importância contextual no cinema norte-americano contemporâneo, Jaws rompe com o formato de produção,
promoção e distribuição vigente e assume-se como o protótipo de blockbuster de
Verão, assente numa premissa de argumentos simples (recorrentemente planos até)
e muita acção, tensão e adrenalina. O cinema de autor é posto de lado, os
estúdios aumentam cada vez mais o seu poder através do método da grande
produção para as massas e sucesso comercial imediato e o cinema de entretenimento
explode enquanto força vigente.
E muito disto despoletado por Spielberg,
um jovem e talentoso realizador de 29 anos ainda na sua segunda longa-metragem,
que como que cria um novo género (o tal summer blockbuster) que
viria no futuro a trabalhar como poucos e a reinventar estrondosamente em cada
uma das décadas seguintes – Indiana Jones
and the Raiders of the Lost Ark (1981) e E.T. the Extra-Terrestrial (1982); Jurassic Park (1993); A.I.
Artificial Intelligence (2001) e Minority
Report (2002).
O grande tubarão branco, predador
alfa dos oceanos e pouco conhecido até então do grande público, foi a partir
desse momento visto, duma forma obviamente errónea, como uma ameaça natural,
uma espécie de máquina de matar e comer pessoas; ora, a desinformação, a
ignorância e a fúria acéfala levaram a que durante décadas se procedesse a uma
infame caça ao animal e a população decrescesse substancialmente em todo o
globo, sendo hoje em dia uma espécie vulnerável. Essa sede de caçada, de
sangue, de mortandade, tão própria nos humanos aliás, é a consequência obscura
da obra. Uma consequência muito negativa e significante, entenda-se, mas que
ainda assim deve ser analisada em paralelo e não pode apagar o que a obra de
Peter Benchley e sobretudo a película de Spielberg significaram para o trajecto
do cinema de entretenimento.
O medo e o desconhecimento da
criatura que ainda assim não conseguem submeter o dever cívico e profissional de Brody, o
chefe da polícia; Hooper, o biólogo marinho que pretende conhecer melhor e porventura decifrar os
comportamentos do animal; e Quint, o caçador furtivo, o especialista que tem um
passado que se cruza de forma sangrenta com tubarões – excelente referência ao
naufrágio do navio de guerra norte-americano USS Indianapolis (CA-35) em Julho de 1945, no término da Segunda
Grande Guerra, em que centenas de marinheiros perderam a vida devido a
desidratação, afogamento e ataques de tubarões.
Este trio, em que sobressai um
delicioso Robert Shaw como o torturado Quint, acaba por ser a única força de
combate que a pequena vila de Amity tem para apresentar contra aquela
aparentemente indomável e vil força animal. O seu engenho e resiliência,
sempre de mãos dadas com o pânico e o terror, acabam por ser a força motriz do
filme, ao som da banda-sonora minimalista de John Williams, peça sublime
e tão hitchcockiana que simultaneamente nos transporta através do carácter
primitivo e inexorável da gesta e cria uma sensação de imprevisibilidade e
descontrolo emocional sufocantes.
Jaws, o primeiro blockbuster moderno, uma das películas que mudou
as regras do jogo e ajudou a criar uma nova indústria cinematográfica em
Hollywood, no fundo é uma história como tantas outras: Natureza contra o homem,
predador enfrenta predador. Mas quando quem enfrentamos é uma criatura tão
real, tão magnética, tão ferozmente perfeita por assim dizer, arriscamo-nos a
que se torne pedra basilar do nosso imaginário mais sombrio.
Golpes Altos: Acima de tudo algo
que não é imediato mas que é adquirido com o tempo: a importância histórica e
cultural do filme. A banda-sonora, intemporal.
Golpes Baixos: Como referi
anteriormente, a premissa da obra, descrevendo um animal selvagem como uma
máquina assassina, e todas as consequências que daí advieram – Benchley chegou a lamentar ter escrito Jaws. É claro que há
variadíssimas falhas técnicas (começando pelo próprio tubarão, exageradamente
grande e disforme), mas não podemos esquecer que corria o ano de 1975. Já muito fez Spielberg.