sexta-feira, 31 de maio de 2013

Golpes de Génio - Vivre Sa Vie

Realização: Jean-Luc Godard
Argumento: Jean-Luc Godard
Elenco: Anna Karina, Sady Rebbot e André S. Labarthe

Uma mulher deixa o seu marido e filho bebé. A mesma mulher começa a prostituir-se - a viver a sua vida. Nana (Anna Karina) não é boa nem má, inteligente nem estúpida - sentiu-se presa e libertou-se. Teve dúvidas acerca da forma como vivia a sua própria vida. Se calhar não a sentia como sua, se calhar sentia-se controlada ou se calhar estava simplesmente aborrecida. Não sabemos. O espectador acompanha esta fase da vida de Nana como um voyeur a quem só é permitido espreitar. A câmara de filmar são os nossos olhos, tentando constantemente, por entre conversas, desviando o olhar de cenas que não desejam ver, sentindo-se incomodados quando Nana nos fixa de volta, como se nos tivesse apanhado no acto. E os olhos dela são os segundos olhos mais penetrantes do cinema. Os primeiros pertencem a Maria Falconetti, a Joana d'Arc de Dreyer que Nana curiosamente (ou não) observa no cinema - ambas de lágrimas nos olhos, ambas vítimas do julgamento dos homens.

O filme é dividido em 12 episódios, nos quais acompanhamos Nana na descoberta de si própria e do que significa viver a sua vida. O mais curioso desses episódios ocorre quando Nana conhece um homem, no café, que lhe conta uma história e lhe transmite algumas lições de vida. A minha dúvida será sempre a mesma - estará o homem a falar com ela, ou comigo? Porque esta é a única cena no filme em que nos é permitido reflectir acerca do interior de Nana, acerca do interior de nós mesmos. Ela abandona tudo para recuperar o controlo sobre a sua vida, mas acaba por o delegar a terceiros, morrendo vítima da sua própria independência.

Parecem-me agora séculos desde que alguém me mostrou a cena de Nana com o homem do café. Essa mesma pessoa insistia numa velha fábula acerca de uma lagarta a quem é posta uma questão 'Como é possível andar sem ter pernas?' - e, desse dia em diante, a lagarta deixa de conseguir andar. O homem do café conta a Nana uma história semelhante na qual Porthos, o Mosqueteiro não-pensante, ao colocar uma bomba e preparando-se para fugir, se questiona acerca da sua capacidade motora e, imobilizado pela ideia, acaba por morrer. É uma coisa terrível, o pensamento. Sem ele, não haveriam palavras. Sem palavras, não haveriam mentiras, não haveriam erros. Sem pensamento, seríamos verdadeiros, simples e felizes. Mas não somos. 'E o amor?' - pergunta Nana. O homem explica que o amor só é possível depois dos 30, quando começamos a perder dúvidas, quando amadurecemos. Talvez... Até lá, vivemos a nossa vida, corremos os nossos riscos, fazemos as nossas escolhas, perdemos as nossas oportunidades. 'Ao menos no fim', dirão os mais inocentes, 'só nos podemos culpar a nós mesmos'.

quinta-feira, 30 de maio de 2013

The Hangover - Part III

Realização: Todd Philips
Argumento: Todd Philips e Craig Mazin
Elenco: Bradley Cooper, Ed Helms, Zach Galifianakis e John Goodman

Drogas, macacos, bebés, tatuagens, mini-pilas chinesas, homossexualidade (pouco) subtil, óculos de sol e... já disse drogas? A matilha está de volta, com uma conclusão muito pouco épica para uma trilogia que merecia passar do 'politicamente incorrecto' para o 'socialmente intolerável' - mas não cumpre.

Já tínhamos visto praticamente tudo aquilo que nunca queríamos ter sido obrigados a ver numa sala de cinema. No primeiro filme, Todd Philips reinventou a loucura de Old School e fez-nos acreditar que Las Vegas era o sítio para se estar. Dois anos depois Todd Philips, de uma forma bastante preguiçosa, agarra na mesma estrutura do primeiro filme e muda-lhe apenas o cenário - desta vez, saímos do filme a esfregar as mãos - 'Bangkok, bitches?'. Outros dois anos passam, e Todd Philips tem o bom senso de perceber que não é possível fazer-se três filmes com exactamente o mesmo argumento. Decide 'apimentar' as coisas. A história desta vez é mais complicada, mais trabalhada, mais coerente. As cenas de acção são melhores, as personagens são mais tridimensionais e consegue cumprir os requisitos de um último capítulo, fechando todas as portas deixadas abertas pelo primeiro. Então, o que falha? O que falha, é que ninguém espera de Hangover um filme com grandes tramas, boas cenas de acção ou personagens com conflitos interiores. O que nós queremos, é que esta merda nos faça rir. Rir às gargalhadas, tapar os olhos de nojo, abanar a cabeça em jeito reprovador - 'Epah, não acredito que estes gajos fizeram isto..'. A questão é que a conclusão épica para a trilogia, tinha implícita a obrigatoriedade de ser ainda mais incorrecta que as outras duas. Queria cocaína a voar pelo ar, Ed Helms a ser violado por um anão, Bradley Cooper a ser desfigurado com uma navalha (não quero viver num mundo onde tenho de competir com este tipo de gajos) e Zach Galifianakis a... ser ele próprio.

Em vez disto, temos demasiado protagonismo dado a Mr. Chow - o homenzinho asiático com o pénis do tamanho de um berlinde - que claramente não tem estrutura para tanto tempo de antena. Mr. Chow tem graça quando aparece de vez em quando, mas não pode ser mais importante que Ed Helms ou Bradley Cooper, isso é simplesmente errado. E assim termina uma saga, que nos proporcionou boas gargalhadas e alguns prelúdios de vómito, de uma forma bem menos ousada do que seria de esperar. No entanto, se quisermos ver os membros da matilha a caminhar em câmara lenta, ao som de clássicos como Santana, Billy Joel, Phil Collins ou Black Sabbath, vale sempre o dinheiro do bilhete de cinema.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Golpes de Génio - Taxi Driver

Realização: Martin Scorsese
Argumento: Paul Schrader
Elenco: Robert De Niro, Cybill Sheperd, Jodie Foster e Harvey Keitel


'The streets are extended gutters and the gutters are full of blood and when the drains finally scab over, all the vermin will drown.' - Reconhecem esta frase? Podia ser de Taxi Driver, mas não é. Pertence a um personagem criado 10 anos depois pelo cartoonista Alan Moore.

Moore, como muitos outros escritores e realizadores dos últimos 30 anos, encontrou na personagem de Bickle inspiração para o anti-herói perfeito. O psicopata solitário, o underdog, o socialmente inadaptado, o herói acidental - Travis Bickle é todos, e não é nenhum. Porque aquilo que Bickle é e aquilo em que Bickle se torna são duas coisas diferentes. No fim, fica a velha questão - será que os fins justificam os meios? E, no caso de Bickle, que fins são esses? 'Clean up the streets', diz ele. Mas porquê?

Taxi Driver é o 4º filme de Martin Scorsese, o 3º a contar de Mean Streets (ignorando o facto do début cinematográfico de Scorsese se chamar Boxcar Bertha). É também o segundo trabalho do realizador com Robert De Niro, no que seria uma gloriosa carreira a dois. Mas esta não é a única dupla que se tornou consagrada neste filme, e certamente não a mais importante. O argumentista, Paul Schrader, voltaria a juntar-se a Scorsese e De Niro para o apogeu máximo dos três artistas - Raging Bull.

Se nos desligarmos por momentos da personagem de Travis Bickle - e da maneira como monopoliza a atenção do espectador - podemos apreciar esta maravilhosa peça de cinema pela forma única como apresenta Nova Iorque. Pela cinematografia de Michael Chapman que transforma a cidade, o táxi, os esgotos e todos os seus habitantes num cenário nocturno e errante, que nos faz dar graças a Deus pelos meios onde vivemos. As luzes neon, os fumos que saem dos passeios e ocultam as putas, os drogados e os assassinos, desviando-nos a atenção da perigosidade do próprio Bickle. Quanto a este, vem de uma longa linhagem de loners e inadaptados - desde Holden Caufield a Raskólnikov - que culpam a sociedade pelo seu ostracismo, acabando por ser tornar um produto dela.

Assim, Bickle caminha pelas ruas, julgando a cidade à sua volta de olhar obsessivo, julgando-se capaz de salvar uma prostituta mas ameaçando matar um inocente. A moralidade de Bickle é a moralidade de um psicopata, e recuso qualquer teoria que venha tentar provar o contrário. Temos um filtro que utilizamos para ver o mundo. Podemos escolher o ângulo da nossa reportagem, podemos escolher o que filmar e o que deixar de fora. Bickle via a podridão dos esgotos de Nova Iorque porque estava ele próprio podre. Mas a questão final fica sempre - bom, mau ou vilão? Seja qual for, a imagem que fica de Travis Bickle é a de um homem em frente ao espelho - 'Are you talkin' to me?' - e a sua própria triste conclusão - 'You must be, 'cause I'm the only one here...'.


domingo, 26 de maio de 2013

Conversas de Café - "Epa, o Al Pacino não é assim tão bom..."

E não é malta?

Ele começou por ser um actor com muita qualidade e que prometia imenso. Os seus grandes papéis são de enorme nível e aponto as baterias dos elogios para os Padrinhos, Dog Day Afternoon e claro... o seu "Cool Throne" chamado Scarface! Mais tarde entra num dos melhores filmes de acção da história do Cinema que é o Heat e parece haver esperança nesse filme, parece que o antigo Al Pacino voltou... mas não...

Nesse mesmo filme estamos perante a velha comparação que simplesmente ofende a 7ª arte... De Niro ou Al Pacino? O De Niro é um actor de topo que fez coisas que mais ninguém fez e dificilmente alguém fará... (buddy, atreve-te sequer a trazer de volta a tua revolta...).
Compará-los não faz sentido mas se quiserem falamos melhor disso numa próxima conversa de café.

Por agora só queria dizer que o Al Pacino ao longo do tempo pegou nas suas piores facetas (aquele histerismo muitas vezes excessivo e "over the top") e tornou-as as suas principais características... Não Al... Não tens de ser sempre o Tony Montana... Toma um drunfo qualquer e aproxima-te mais do Michael Corleone...


Nota de rodapé: Eu adoro o Al Pacino, é um gajo que me diverte e simplesmente gosto dele. Ele é de facto "likable" mas isso não faz dele um actor de topo... até porque eu também gosto do Paul Rudd.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Retrospectivas - Ingmar Bergman


O homem, sozinho, em frente à Morte. No meio, um tabuleiro de xadrez. 'Do you ever stop questioning?' - pergunta a Morte. O homem sorri - 'No, I never do'.

Ingmar Bergman atravessou um século, construiu uma família, rodeou-se de amigos e a sua equipa de filmagem permaneceu idêntica ao longo de toda a sua filmografia. Foi amado, respeitado e deixou no cinema uma marca inegável - pairará para sempre sobre os semblantes dos grandes cineastas vivos, como que reprovando cada passo em falso, cada falta de autenticidade, cada desvio de personalidade. No entanto, nunca houve ninguém mais imensamente solitário, mais desesperadamente duvidoso acerca do seu papel no mundo.

O realizador manteve-se fiel aos temas que considerava importantes. A vida, a morte, a família, o amor, a loucura, a solidão perante os outros e perante Deus - eram estes os fantasmas de Bergman. Aos 8 anos perdeu a fé em Deus e aos 9 trocou todos os seus brinquedos por uma Lanterna Magica. Foi assim que Bergman começou o seu processo de isolamento. Sentiu o silêncio de Deus e trocou os seus olhos pelos da lanterna, começando a viver num mundo aparte - como a personagem de Harriet Andersson em Through a Glass, Darkly, o primeiro filme da sua trilogia do Silêncio de Deus.

Depois, e ao longo de toda a sua vida, Bergman dedicou-se à procura pelas respostas nunca encontradas. Na literatura, na ciência e na religião, Bergman bebeu o que pôde mas cedo percebeu que as respostas têm que ser dadas pelo próprio, nunca por outros. Creio que a filmografia de Bergman pode ser vista como o seu próprio crescimento, a sua própria aprendizagem e o quão perto terá chegado dessas respostas. A imagem que fica, é a de um realizador sozinho, tentando captar cada imagem como se fosse um quadro, exigindo dos seus actores um diálogo infrutífero com um Deus que, cruelmente, permanece calado, observante de um Bergman receoso de que Svidrigailov estivesse certo - 'We always imagine eternity as something beyond our conception, something vast, vast! But why must it be vast? Instead of all that, what if it’s one little room, like a bath house in the country, black and grimy and spiders in every corner, and that’s all eternity is?'

Talvez seja essa a razão da insistência das aranhas na concepção bergmaniana de Deus. Estou convencido que o grande medo de Bergman era tornar-se aquilo que nunca deixou de ser - um homem religioso que, como qualquer homem religioso, vive atormentado com a ideia da perda da fé, de que as suas preces sejam feitas em vão, perdidas para sempre no vazio da nossa existência. Bergman morreu aos 89 anos, na ilha de Faro, na costa da Suécia, que apadrinhou como sua e tornou palco das suas grandes obras. Imagino-o, nos seus últimos momentos de vida, a jogar xadrez com a morte - nunca reparando nos que o rodeiam, nunca parando de se questionar.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Deadfall

Realização: Stefan Ruzowitzky
Argumento: Zach Dean
Elenco: Eric Bana, Olivia Wilde, Charlie Hunnam, Sissy Spacek e Kate Mara

Estamos no ano dos Neo Noirs, 'tá visto! Têm-se feito coisas giras. Dead Man Down e Welcome to the Punch representaram o seu género com excelência mas, este Deadfall... deixa um pouco a desejar. A ideia é boa, a realização é boa, as referências ao género são boas, as cenas de acção são boas - então, afinal, qual é o problema? O problema é que Deadfall é uma espécie de Benfica 2012/13 - faz um excelente campeonato mas, quando realmente é preciso vencer, nos minutos finais, nos jogos decisivos (pronto, já chega), falha redondamente!

O filme mistura dois géneros que, quando cruzados, é difícil não saírem bem - o Film Noir e o Western. Constrói os arquétipos dos géneros - o anti-herói, o anti-vilão, o fugitivo, a história de amor, o assalto - e remata com referências espectaculares como casacos de franja à la cowboy, perseguições de mota de neve filmadas como se fossem perseguições a cavalo, e as próprias personagens a trazerem à baila os mitos do velho oeste. Em tudo isto, Deadfall cumpre sem pestanejar. E passamos assim 90 minutos a achar que estamos a ver um belo filme quando, de repente, tudo se torna do mais piroso e mal interpretado possível, fazendo-nos acreditar que as coisas que anteriormente nos soaram arrojadas são afinal de mau gosto e que os actores são afinal medíocres - refiro-me a Charlie Hunnam (lembram-se dele no Green Street Hooligans?) cuja tentativa de sotaque americano se revela algo como um Quebequiano/Monguelóidês.

O realizador, Ruzowitzky, tem um nome difícil de pronunciar. Han? Ah, e tem um currículo manchado por thrillers e filmes que, de tão estrangeiros, nunca os vi e por isso não convém pôr-me a mandar bitaites. A verdade é que, ao contrário de outros realizadores vindos do norte da Europa nestes últimos anos, não me inspira confiança e não me parece que lhe vá dar outra oportunidade. Dito isto, o filme tem coisas boas e pode ser visto facilmente caso não se esteja num dia particularmente exigente, e se queira ver uns tiros e a Olivia Wilde toda nua. Ou de ligas. Ou vestida. Pronto, caso se queira ver a Olivia Wilde. Quanto a Eric Bana, apesar de ser bom actor, não está à altura do papel. A personagem é uma clara tentativa de reproduzir a personagem de Robert Mitchum no clássico The Night of the Hunter, mas sem o grip necessário - passei o filme todo a insistir que o renovado Matthew McConaughey seria uma escolha bem mais acertada.


Golpes Altos: Cruzamento de géneros bem conseguido. Ambiente "conto de fadas" interessante. Olivia Wilde. Kate Mara. Olivia Wilde.

Golpes Baixos: Clímax terrível. Charlie Hunnam. Eric Bana. Kris Kristoferson. Enfim, o elenco não é brilhante. Algum mau gosto nas cenas românticas.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Golpes de Génio - Paris, Texas

Realização: Wim Wenders
Argumento: Sam Shepard
Elenco: Harry Dean Stanton, Dean Stockwell e Nastassja Kinski

'I knew these people... these two people... They were in love with each other. The girl was very young, about 17 or 18 I guess. And the guy was quite a bit older. He was kind of raggedy and wild. And she was very beautiful, you know?'

Existem duas formas de perder alguém, dois tipos de amor e duas cidades chamadas Paris. O Paris de Wenders ignora as luzes e as promenades - troca-as pela solidão imensa do deserto, pelo solo por onde caminham os heróis solitários, os cowboys de coração partido. O Paris de Wenders é no Texas, e serve apenas para lembrar o herói de que existiu algo no seu passado pelo qual valeu a pena viver.

Este tornou-se um dos filmes mais marcantes da minha vida. Voltei a sentir aquele conforto adolescente de quando descobrimos uma coisa que sabemos ser nossa para sempre. Não sei se é o ambiente criado por Wenders, a imagem nostálgica de Kinski ou os diálogos de Shepard que, de tão verdadeiros, tornam-se cruéis. Sam Shepard, o guionista, é um homem raro. Actor consagrado, realizador experimental, guionista, escritor de romances, de contos e dramaturgo vencedor de um Pulitzer. Aqui, toda a iconografia do imaginário de Shepard se transforma em cinema pela mão mágica de Wenders -  e nunca se viu um casamento mais feliz.

Não me quero estender muito sobre um filme que é destruído quando desconstruído. Para mim, Paris, Texas é sobre perder quem se ama. Travis, o personagem principal, perde a mulher que ama duas vezes - a primeira, por não saber o que fazer com o seu amor e, a segunda, quando finalmente o descobre. A primeira perda é por um amor doentio, que o transtorna e o enlouquece, fazendo com que vagueie durante 5 anos sozinho pelo deserto. Travis perde a mulher que ama por não a saber amar, tal como o seu pai perdeu a mulher que amava por ter criado uma imagem dela que não correspondia à verdade - 'He said to people she was from Paris, France. He got this notion about her, this sickness..'.

Pior que não amar, é não saber o que fazer com o amor. Travis vagueia, sozinho, pelo deserto, como tantos vaguearam antes dele e muitos vaguearão depois. Porque o nosso amor, quando afastado, torna-se solitário e, citando Tennesse Williams: 'Nobody ever gets to know anybody.. We're all sentenced to solitary confinement inside our own lonely skins, for as long as we live on this earth'.


sexta-feira, 17 de maio de 2013

The Great Gatsby


Realização: Baz Luhrmann
Argumento: Baz Luhrmann (baseado no romance de F. Scott Fitzgerald)
Elenco: Leonardo DiCaprio, Carey Mulligan, Tobey Maguire e Joel Edgerton


O excesso, a ostentação, a República de Weimar, a lei seca, os olhos de T. J. Eckleburg - a América sem rumo no rescaldo da Primeira Grande Guerra, procurando no álcool, nas festas e no dinheiro aquilo que perderam em valores espirituais e fibra moral. No meio: um homem, uma figura, um símbolo - Jay Gatsby, a vítima.

O Gatsby de Luhrmann vai dividir opiniões. Adore-se ou odeie-se, de uma coisa estou certo - Gatsby não vos passará ao lado. O filme vence nos mesmos pontos por onde peca. A abordagem é ousada, para dizer pouco. O digital assume uma forma ofensiva que arde nos olhos, e a realização dá à primeira parte do filme um tom cómico que me pareceu desrespeitoso. "O ambiente de Gatsby não é este, falta-lhe dramatismo", pensei eu. Mas depois isso acaba por se suavizar, e a banda sonora de Jay-Z e a realização em estilo "sonho lúcido" parecem-me arrojadas e de autor - já não tão ofensivas. A verdade é que esta nunca seria a abordagem que eu escolheria para tratar Gatsby, mas a verdade é que o filme não é meu, é do Luhrmann. E é bom.

Por um lado, falta-lhe a subtileza do livro. Parece querer esfregar na cara do espectador simbolismos e noções que devem ser passadas com classe, nas entrelinhas, menos gratuitas. Mas, por outro lado, é precisamente essa falta de subtileza que torna o filme tão fiel ao livro, que faz com que a linha narrativa seja igual (com a excepção do final, em que Luhrmann decide ignorar a presença do pai de Gatsby no funeral, vá-se lá saber porquê), que faz com que a mensagem não esteja minimamente desvirtuada. No fundo, o que Luhrmann nos diz é que este é o seu Gatsby, mas não deixa de ser o Gatsby de Fitzgerald. É uma adaptação respeitosa, ainda que um tanto medíocre na sua forma. Ainda não me consegui decidir, pois não?

Então, aqui vai: eu gostei! Gostei sobretudo porque é uma das melhores histórias alguma vez escritas, gostei porque DiCaprio é o melhor Gatsby que alguma vez existiu ou existirá, gostei porque os diálogos são "linha a linha" iguais aos do livro, e são fantásticos. Gostei porque é um filme com tomates, gostei porque tanto os olhos de T. J. Eckleburg, como as diferenças entre o West Egg e o East Egg, a Cidade das Cinzas e a Luz Verde ganham com a realização de Luhrmann, fazendo pensar que uma abordagem sóbria a estes símbolos não estaria à altura. Mas, sobretudo, gostei porque Luhrmann percebeu que Gatsby é mais que uma crítica social, é mais que uma história de amor.

Gatsby, o homem por detrás da cortina, não existe. Gatsby é uma ideia que criou de si mesmo - é um homem que se perdeu, que perdeu a sua alma e a tenta capturar de volta agarrando-se ao passado, vendo esperança numa luz que parece perder-se atrás do nevoeiro. A personagem de Gatsby é romântica, mas não no sentido amoroso. Daisy afigura-se como o último adereço de Gatsby, o último objecto que lhe falta para que possa voltar ao passado. Não quer dizer que o amor não seja verdadeiro, mas a esperança de Gatsby vai para além do seu amor por Daisy, vai além do seu sucesso, da sua piscina inutilizada, dos fatos e das camisolas vistosas - a tragédia de Gatsby reside num homem que se agarra a uma imagem sua que nunca existiu, e é vítima da frieza e do calculismo de um mundo que não trata bem os seus sonhadores.

No filme, como no livro, vejo Jay Gatsby pelos olhos de Carraway, sinto a tentação de esticar a minha mão na direcção da luz verde, como um sonho que julguei ter tido e nunca mais recuperei - hoje, sinto-me mais perto de Gatsby - de costas, remando, contra a corrente... 'ceaselessly into the past'.


Golpes Altos: Abordagem arrojada, casting à altura, adaptação ultra-fiel ao livro (com a excepção da cena final), boa banda sonora, a certeza de que Gatsby foi tão importante para Luhrmann, como foi para mim.

Golpes Baixos: Falta de subtileza na simbologia (a insistência nos olhos de T. J. Eckleburg, a insistência na luz verde, nos despojar e na ostentação). Pouca harmonia entre a primeira parte do filme e a segunda, mais uma vez numa passagem pouco subtil. Dispensava os momentos mais cómicos do filme, mas respeito-os.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Golpes de Génio - Tokyo Story

Realizador: Yasujiro Ozu
Argumento: Yasujiro Ozu
Elenco: Chishû Ryû, Chieko Higashiyama e Setsuko Hara


Há algo no conceito de família que nos remete para um passado que nunca conhecemos. Abraçamos inocentemente um falso saudosismo pelos "bons velhos tempos", em que pais e filhos partilhavam mais que silêncios incómodos e trivialidades à hora do jantar. Começo a acreditar que talvez esses tempos nunca tenham existido, que talvez sejam uma projecção idealista do que achamos que a família deveria ser.

Yasujiro Ozu é o mais importante realizador oriental e definitivamente um dos meus favoritos. A simplicidade dos seus filmes caminha lado-a-lado com a profundidade dos seus temas. Nada é passível de ser interpretado em Ozu. Não existem metáforas, hipérboles ou sinédoques. Nenhum movimento de câmara é intelectualizado, nenhum plano passa uma mensagem. Ozu filma com a tranquilidade e a sabedoria de um mestre milenar. Deixa-nos frequentemente em estados emotivos que não conseguimos bem compreender, porque não são ocidentais - uma lágrima em vez de um ataque de choro; um aperto no coração em vez de um sorriso; uma calma interior em vez de uma lição. Ozu intercala todas as suas histórias com pillow shots de paisagens que funcionam como gêngibre num prato de sushi - algo que pomos na boca, entre cada rolo, para nos deixar assentar o que comemos antes, e preparar para o que vem depois.

Todos os filmes de Ozu são o mesmo, e todos são únicos. Parecem confundir-se, repetir-se como haikus cujo conteúdo varia em formas simples e idênticas. De todos eles, Tokyo Story é possivelmente o que chega mais perto da perfeição. E parece ser esse o objectivo de Ozu - a perfeição. O tema é a família, a distância entre gerações, a inevitabilidade da velhice que nos afasta da velocidade da sociedade, nos coloca num mundo à parte. Os dois personagens principais de Tokyo Story são os avós que decidem visitar os filhos e os netos em Tokyo, afastando-se da pacífica vila onde residem, apenas para descobrirem uma família e uma sociedade que não tem tempo para eles, que os considera um entrave. Uma das cenas de maior beleza e profundidade do filme, dá-se quando o casal de idosos observa Tokyo de um miradouro e, partilhando o silêncio confortável que anos de convívio lhes permitem, deixam fugir uma triste confissão 'Que cidade tão grande, esta. Se nos perdêssemos um do outro, talvez nunca mais nos conseguíssemos encontrar'. Vou deixar-vos assim, sem desvendar mais de um filme que é mais que obrigatório, é necessário.

Quando vejo e revejo este filme, pareço aprender sempre qualquer coisa que esqueço logo a seguir. É algo sobre o amor, sobre a vida e sobre a família. Algo que talvez não esteja preparado para saber, algo que a experiência se encarregará de me ensinar com o passar do tempo, ainda que certamente de forma menos calma e menos bonita.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Olympus Has Fallen

Realização: Antoine Fuqua
Argumento: Creighton Rothenberger e Katrin Benedikt
Elenco: Gerard Butler, Aaron Eckhart e Morgan Freeman


Lembram-se quando disse que se adivinhava um ano espectacular para os filmes de acção? Bem, há sempre uma ovelha ronhosa. Olympus Has Fallen é o que acontece quando alguém não percebe muito bem o noticiário da noite, mas tem a certeza que "aquela malta da Coreia não é flor que se cheire".

O realizador Antoine Fuqua ficou conhecido por um dos melhores policiais da história do cinema. Training Day é um grande filme, e Antoine Fuqua prometia grandeza. Mas talvez tenha levado essa promessa longe de mais, quando decide orquestrar o ataque terrorista perfeito, ao coração da democracia mundial, o Olimpo da liberdade - a Casa Branca. Ora, sendo a Casa Branca o edifício mais protegido do mundo, não era tarefa fácil organizar um ataque terrorista que não parecesse um sketch dos Monty Python. Não era fácil, e não foi. Mas Fuqua conseguiu acertar em algumas coisas.

As cenas de acção são boas, bem filmadas. O filme tem uma certa dose de ousadia e coragem que por vezes falta a bons filmes de acção, e que os poderiam tornar extraordinários. Mas depois, Fuqua perde tanto tempo a decidir como raio é que vai colocar uma data de terroristas a invadir o edifício mais protegido do mundo, que se esquece que não basta entrar, depois convém decidir o que raio é que esses terroristas querem e quem são. Aí a coisa complica. "Epah não vamos insistir nos árabes... Quem é que temos mais? Russos também não, é muito anos '80. E aquele chinês gordo que dança de uma maneira esquisita e também é ditador e tal?" - "Epah... acho que 'tamos a baralhar dois gajos..." - "Não faz mal, ninguém repara". E assim, temos uma "facção terrorista" da Coreia do Norte, metida dentro do Governo da Coreia do Sul, que quer obrigar os Americanos a abandonarem a zona desmilitarizada para que as duas Coreias possam voltar à boa velha pancada de antigamente... Espera, o quê?

Depois a isto podemos juntar um completo desrespeito por todas as regras da diplomacia e da política do mundo ocidental, quando colocam o Governo dos EUA a sacrificar a segurança do País inteiro(!) só para eles não fazerem mal ao seu Presidente (espera, o quê???).

Enfim... a coisa não correu bem. Os diálogos são horríveis, a história é uma estupidez e o ambiente é uma espécie de Die Hard, sem o Bruce Willis. Por que raio é que alguém quer um Die Hard sem o Bruce Willis?


Golpes Altos: Cenas de acção, uns certos cojones em cenas de tortura e uma certa megalomania no ataque à Casa Branca.

Golpes Baixos: A intriga, a contextualização política, os diálogos. Ah... e a Melissa Leo, que não se percebe se está constantemente alcoolizada, ou se é simplesmente uma histérica do c#$%&/(.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

To the Wonder

Realização: Terrence Malick
Argumento: Terrence Malick
Elenco: Ben Affleck, Olga Kurylenko, Rachel McAdams e Javier Bardem


Será que sabemos o que é amar? E se soubermos, será que sabemos amar bem? Temos a consciência de que amar é um risco - que merece a hipótese de falhanço, de frustração? Então é isto, o amor?

As perguntas chegam-nos, pela voz dos personagens, ou pela nossa. Deixamo-nos absorver no absoluto de Malick - somos o artista. A sua experiência torna-se a nossa experiência; os seus receios tornam-se os nossos receios; o que o artista aprendeu, nós aprendemos com ele. To the Wonder é a obra mais autobiográfica de Malick, e isso nunca interessou tão pouco. O que distingue esta linha de cinema das outras, é o que distingue um romance de um poema. A forma estética repete-se, mas o conteúdo atravessa a alma humana de forma livre, despegada.

As imagens que nos são mostradas parecem-nos constantemente familiares, intimas. É maravilhoso como Malick consegue filmar um relvado que nos transporta à nossa infância, ou um Mont St Michel que nunca conhecemos - mas que, no entanto, nos parece familiar. Talvez sejam os sentimentos que correm no ar, permitindo-nos substituir as personagens do filme pelas nossas.

É uma obra-prima rara, feita por uma pessoa rara, para pessoas raras. Tenho pena que assim seja. Entristece-me que a falta de sensibilidade artística se tenha espalhado como um cancro pela nossa sociedade, que adjectivos como "aborrecido", "estético" ou "indefinido" sejam utilizados para descrever uma obra desta magnitude. Mas depois paro, e penso quantas pessoas são capazes de abrir um livro de poesia e sentir o que é suposto sentirem. Poucas. E talvez tenha que ser assim, e filmes como To the Wonder tenham o seu lugar guardado para o percentil mais profundo da humanidade.

Quanto ao tópico, é o amor. O amor em toda a sua complexidade, com todas as suas dúvidas, não a serem respondidas, mas a serem sossegadas, confiando que tudo funcionará para que o universo permaneça harmonizado. As relações dividem-se entre a dúvida de um amor romântico e a dúvida de um amor espiritual. Tal como questionamos a origem, a força do nosso amor por alguém, da mesma forma questionamos a força do nosso amor por algo intangível - algo superior. No fim, amor é amor e amaremos, quer queiramos quer não.


Golpes Altos: A técnica do stream of consciousness atinge aqui um nível acima do mostrado em Tree of Life. Malick está a refinar, e isso só pode ser bom sinal. Todo o filme é bonito, cada imagem, cada frase. Fica para quem o sente, não para quem o tenta perceber.

Golpes Baixos: Vou citar as últimas frases escritas do falecido crítico de cinema Roger Ebert:
"There will be many who find "To the Wonder" elusive and too effervescent. They'll be dissatisfied by a film that would rather evoke than supply. I understand that, and I think Terrence Malick does, too. But here he has attempted to reach more deeply than that: to reach beneath the surface, and find the soul in need."

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Guilty Pleasures - Big Trouble in Little China (Jack Burton nas Garras do Mandarim)

Realização: John Carpenter
Argumento: Gary Goldman
Elenco: Kurt Russell, Kim Cattrall e muitos Chineses


Quem sabe o que é um chinese stand-off? Quem acredita em magia negra, verde e laranja? Quem acorda todos os dias feliz por não ter nascido de olhos verdes? Quem continua a acreditar que manga-cava vai bem com botas pelo joelho? Certamente alguém que, como eu, cresceu a ver Kurt Russell a salvar o dia. Alguém que sente o perigo iminente, quando dois feiticeiros ancestrais lutam por duas boazonas e o resultado é... BIG TROUBLE, IN LITTLE CHINA!

Estamos, sem dúvida nenhuma, perante uma rara peça de cinema de entretenimento. Rara no sentido de especial, e especial no sentido de "Ah... o Joãozinho é um menino muito especial...". O próprio Jack Burton é uma espécie de "Joãozinho", que é largado no meio de um conflito com mais de 2000 anos e aguenta o filme todo sem nunca perceber muito bem o que raio se está a passar, mas entusiasmado com a possibilidade de, no fim do dia, conseguir trincar uma das duas boazonas. Big Trouble in Little China consegue a fantástica proeza de enfiar no mesmo filme dois dos piores actores de sempre - Kurt Russell e Kim Cattrall - e conseguir construir as duas personagens para que, no fim do filme, não consigamos imaginar mais ninguém a interpretá-las.

Ao fim ao cabo, Big Trouble tem tudo: porrada chinesa, monstros apáticos, comic reliefs - normalmente pela mão de Kurt Russell - gajas boas (para os meninos), Kurt Russell no auge do seu esplendor físico (para as meninas - desculpem o tom irónico), aquele chinês estrábico que aparece nos filmes todos, chineses com óculos de sol totalmente tapados que não se percebe como é que vêm alguma coisa, chineses que mandam raios, chineses que gritam, chineses, chineses, CHINESES!

Ok... agora que deixámos bem claro a quantidade astronómica de chineses que entram neste filme, passemos aos homens por detrás da cortina. São eles John Carpenter e Gary Goldman. John Carpenter é o demente realizador responsável por clássicos como Escape from L.A. e Christine, a história de um carro assassino com nome de mulher - sim, é isso mesmo. Quanto a Gary Goldman, o nosso afamado argumentista, é nada mais, nada menos que o criador do clássico futurista Total Recall - isto explica os monstros bizarros que Jack Burton tem que enfrentar, e o chinês que a meio do filme decide desatar a inchar que nem peixe balão e explodir sem qualquer tipo de explicação ou efeito prático.

E pronto, assim se faz um grande Guilty Pleasure, que entretém os filhos bastardos da geração de '80 e os seus gostos bizarros, enquanto nos proporciona uma grande dose de sabedoria oriental no mínimo duvidosa, e a possibilidade de fantasiarmos com Kim Cattrall antes de estragar tudo com 'Sexo e a Cidade'.


Golpes Altos: Toda a indumentária de Kurt Russell, e todos os links que tão gentilmente espalhei por este post (de nada!!!).

Golpes Baixos: Toda a indumentária de Kurt Russell...

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Spring Breakers

Realização: Harmony Korine
Argumento: Harmony Korine
Elenco: James Franco, Selena Gomez, Ashley Benson e Vanessa Hudgens


São tempos tristes, estes que vivemos. Não por existirem festas, álcool, drogas, música electrónica, sexo descomprometido ou violência - isso já existia, não é de hoje. E nada disso me incomoda, nada disso me choca, já nasci na geração das drogas brancas e da música a metro. Os tempos tristes, a meu ver, derivam de se fazerem filmes como este.

Onde Spring Breakers falha, é precisamente onde quer acertar - na crítica. O mais recente filme de Harmony Korine peca por pegar num tema sem interesse, em gente sem interesse, num cenário sem interesse e tentar dar-lhe uma suposta profundidade que a falta de qualidade do argumento e dos actores não consegue suportar. Os Spring Breakers de Harmony Korine depositam nesta viagem de finalistas todos os seus sonhos e aspirações, toda a sua (falta de) profundidade religiosa, todo o seu espírito aventureiro - mas, citando um famoso filósofo do século passado, "a vida não é um filme, boy", e os jovens que partem todos os anos para as viagens de finalistas não vão com o coração cheio de entusiasmo por verem coisas novas, não vão inundados por um conceito distorcido de "sonho americano", vão simplesmente para - pardon my french - se foderem todos. Para se encharcarem em drogas e álcool e foderem o maior número de miúdas/miúdos possível. Esta é a cruel verdade. E não vejo mal nenhum nisso, mas também não vejo motivo para se fazer um filme.

Harmony Korine já me tinha tentado provar que era uma pessoa desinteressante. Tanto Gummo, como Mister Lonely são filmes sobre realidades sórdidas que eu não conheço, sobre os filhos bastardos dos EUA - aqueles que nasceram na parte de trás de uma auto-caravana, fruto do amor proibido do seu tio com a sua mãe. São temas que não me interessam, de gente que prefiro acreditar que não existe, abordados de uma forma pouco brilhante - para ser simpático. Agora deixou os seus freaks para trás, e foi buscar 4 canhões e, claro, o James Franco. Dos 4 canhões, apenas 2 existem de facto - as outras duas servem para mostrar o cu e as mamas - e o James Franco é uma triste tentativa de fusão de um Bobby Peru com um Drexel, mas faltando-lhe o talento tanto de Willem Dafoe como de Gary Oldman, ficando apenas uma personagem fraca na qual não se percebe onde a estupidez do guião acaba e a estupidez de Franco começa.

Resumindo, Spring Breakers não é um péssimo filme, porque não dá sequer espaço para isso. É simplesmente um filme que goza consigo próprio ao espelho, caindo nos mesmos erros da realidade que tão mediocremente tenta criticar.


Golpes Altos: Banda sonora bem encaixada, algumas cenas davam excelentes videoclips. Muitos cus e muitas mamas (mas, estranhamente, muito pouco sexo). Selena Gomez e Vanessa Hudgens são  fortíssimas!

Golpes Baixos: Realização boa para um videoclip da MTV. Cenas narradas lembram uma espécie de Malick, caso este tivesse nascido com meio neurónio. James Franco és mau, mau, mau. Selena Gomez e Vanessa Hudgens deviam voltar pro Mickey Mouse Club... mas agora se calhar é tarde de mais...

domingo, 5 de maio de 2013

Golpes de Génio - Synecdoche, New York

Realização: Charlie Kaufman
Argumento: Charlie Kaufman
Elenco: Philip Seymour Hoffman, Samantha Morton, Catherine Keener, Diane West e Michelle Williams

Nova Iorque é o palco para a sinédoque de Charlie Kaufman - argumentista de Adaptation, Being John Malkovich e Eternal Sunshine of the Spotless Mind. E uma sinédoque, lembram-se do que é? É uma figura de estilo, na qual se exprime um todo por uma parte. E é precisamente assim que o filme funciona. A parte é Nova Iorque e o personagem principal, o todo somos nós e o mundo.

 Seymour Hoffman é um encenador neurótico a quem é atribuída uma bolsa milionária para produzir uma nova peça - a quem é dada uma oportunidade para escrever a sua obra-prima. E é aqui que entra a sinédoque. Porque a peça mistura-se com filme, que se mistura com a vida, que se mistura com a peça. De repente, temos personagens a fazer de personagens a fazer de personagens e todas percebem onde estão e o papel que é suposto desempenharem - mas será que isso chega?

Na vida, escolhemos o tipo de pessoa que queremos ser, a vida que queremos levar e definimos papeis para as pessoas que amamos, para as pessoas que nos são importantes. Rotulamo-las, tornando-as personagens secundárias de um filme que, em último caso, é sempre sobre nós. Este filme imita a vida. A personagem de Seymour Hoffman atribui papeis às pessoas que ama, como nós fazemos ao longo do tempo. Passa 20 anos a guiar as pessoas da sua vida numa peça que não tem público - que ninguém está a ver. Esta é deprimente conclusão deste filme. Todos nós vivemos na esperança que alguém repare no que fazemos, mesmo quando estamos sozinhos. Os papeis que damos aos outros nem sempre são interpretados da forma correcta, e depois desiludimo-nos. Desiludimo-nos porque não amamos os outros, amamos os papeis que lhes damos e portanto amamos projecções de nós próprios. Parem-me se estiver a ficar confuso. A confusão pode vir a meio do filme, e um segundo visionamento é recomendável. Mas tudo começa a fazer sentido quando o encenador percebe que o truque para fazer a sua grande peça é simples - dar a todas as personagens um papel principal. Então onde está o erro? O erro está em ser ele a atribuí-lo.

Em Synecdoche, New York, Charlie Kaufman encaminha-nos por uma mega peça de teatro, em que o palco é Nova Iorque, em que todos têm um papel mas um papel desenhado por ele. E o resultado é uma cidade vazia, uma peça sem público, uma vida de desilusões e sonhos perdidos e, no centro de tudo isto: nós, sozinhos, velhos e conscientes de que a vida que construímos é falsa - uma peça de teatro egoísta, feita só para nós. Porque o público não aparece, os actores secundários têm uma peça só deles e os figurantes, os transeuntes, esses... somos nós?


Peço desculpa se o texto está demasiado confuso, mas o filme assim o exige.

sábado, 4 de maio de 2013

Trance



Realizador: Danny Boyle
Argumento: Joe AhearneJohn Hodge
Actores: James McAvoyVincent CasselRosario Dawson

Ponto prévio: Gosto do Danny Boyle... ele sabe perfeitamente como entreter as pessoas, sabe perfeitamente o que é filmar e acima de tudo sabe contar histórias. Como já disse aqui, adoro quem conta bem histórias.

Estão a ver o Eternal Sunshine of the Spotless Mind? Agora imaginem o que é pegar nesse golpe de génio e fazer um Thriller. O resultado é qualquer coisa como este Trance. Não sendo um filme estrondoso é uma experiência que corre bem.

O filme conta a história de um roubo de uma pintura muito valiosa. Um rapaz envolvido no roubo leva com uma caçadeira na tromba e esquece-se de tudo. Sem que se saiba onde está o quadro, é necessário recorrer a uma perita em hipnose, a sexy Rosario Dawson.

Sobre este premissa pode acontecer muita coisa... que de facto acontece! Acho até que é aqui que o filme peca... O Danny Boyle embora conte bem a história e use e abuse da sua mestria a fazer crescer uma cena de um filme, a verdade é que quer contar demasiadas coisas, está demasiado preocupado com a percepção que o público está a ter do enredo, demasiado preocupado com o que quer esconder do filme... Isso sente-se até na edição! Mas acho que consegue resolver tudo muito bem e isso deixa de ser defeito e passa a ser feitio...

Voltando atrás, ele sabe mesmo filmar... Tem cenas poderosas, tem pequenos planos de corte deliciosos, tem cores no sítio certo à hora certa, sabe perfeitamente como nos deixar confortáveis, ansiosos, desconfortáveis, calmos... tudo!

Quanto a actores, o triplete podia correr mal com o McAvoy (embirro com o gajo... odeio o Atonement... sim, tem um plano de 1000 minutos... e daí? A Fernanda Ribeiro também corria muito e era feia que doía...) no entanto é uma agradável surpresa. O Cassel é fantástico e a Rosario... oh meu Deus... só posso dizer que o filme fala muito das pinturas clássicas e acaba por homenagear os nus que eram sistematicamente retratados nelas... eles todos aparecem nus (parece o Game of Thrones) com principal destaque para 2 full frontals da Rosario AKA melhores maminhas de Hollywood (sim, foi um eufemismo).

Outro bom momento? A homenagem ao Irreversível materializada num extintor!

Bom filme de entretenimento que nos prende. Tem muita coisa previsível mas é tudo muito bem contado. Gostei... mas acho que daqui a 1 mês não me lembro muito do filme. Ainda não consigo perceber este tipo de filme em que não consigo apontar muitas coisas negativa e, mesmo assim, não o achar nada de especial.

Golpes Altos: Realização, crescendo de várias cenas, triplete de representações e... Rosario Dawson nua...

Golpes Baixos: epa...podia ser muito melhor... isso é um pecado porque a premissa é muito boa.

PS: O Cassel tem 47 anos e está SEMPRE impecável. Com uma mulher assim, também eu andava sequinho a vida toda!

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Le Capital

Realização: Costa-Gavras
Argumento: Costa-Gavras
Elenco: Gad Elmaleh, Natacha Régnier e Gabriel Byrne


Costa-Gavras tornou-se uma paródia de si próprio. Não que alguma vez tenha sido brilhante, mas não era assim tão mau. No final dos anos '60, o realizador de origem grega teve o seu magnus opus - a obra pela qual ficaria conhecido, e que lhe daria um hall pass para exteriorizar todo o seu ódio contra o poder, a direita, o grande capital, o liberalismo.. enfim, o "sistema". E a coisa resultou. Z é um excelente filme. Um filme crítico, mas digno. Contestador, mas focado. E agora?

Agora, Gavras padece de um mal que ele próprio aborda neste filme - a incompetência por velhice. Gavras, como muitos outros actores e realizadores, esqueceu-se que existe uma razão pela qual as pessoas se reformam. Por vezes, ainda estão em perfeitas condições de exercer o seu trabalho de forma competente, mas perdem o discernimento sobre as suas próprias ideias, perdem o bom gosto e o bom-senso característico da idade adulta, perdem-se a si próprios ao tentar acompanhar a evolução dos tempos.

Em Le Capital, Costa-Gavras perde-se numa crítica quixotesca contra o diabólico "grande capital". Descuida actores - péssimos, péssimos actores -, descuida diálogos - que parecem mais preocupados em cuspir ideais que criar uma história -, descuida personagens - que substitui por clichés andantes sem nenhum, nem um, traço que os distinga de uma caricatura barata - mas, sobretudo, descuida a qualidade do filme, quando não se consegue decidir entre uma sátira exagerada e um thriller político.

Se pensarem em todos os clichés que um filme contra o sistema poderia ter, prometo-vos que os encontrarão em Le Capital: 20 crianças a jogar PSP fechadas numa sala sem falar com ninguém (os males da tecnologia? CHECK!); os banqueiros canibais que, numa reunião de accionistas, gritam em plenos pulmões que querem roubar aos pobres para dar aos ricos (falta de subtileza? CHECK!); o tio-avô esquerdista desgostoso por ver o sobrinho a vender a alma (este tio avô é tão chato e tão inconsequente no seu discurso, que suspeito ser um alter-ego do próprio realizador); os accionistas americanos que dão festas em yachts com música de Justin Timberlake (o quê?! banqueiros da MTV?! CHECK!); mais a manequim americana sedutora, o melhor amigo traiçoeiro, a mulher que não vê as traições do marido e podia continuar esta lista mas é cansativo - é cansativo para vocês e para mim, que acabei de ver o filme mais intelectualmente exaustivo de sempre.

E o pior disto tudo, é que Costa-Gavras passa um filme inteiro a criticar o dinheiro, os americanos e a falta de ideais, mas depois faz um filme sem uma réstia de alma europeia, a querer desesperadamente inserir-se no formato Hollywoodesco (e uma tentativa triste, acreditem), filmado num HD ofensivo para esconder a falta de talento do realizador, com diálogos retirados de uma embalagem de cereais.

Costa-Gavras é o velhinho que ninguém atura em almoços de família. Balbucia coisas sem nexo, demasiado alto, e esquece-se do que disse passado 5 minutos. Não tenho paciência para velhinhos inconformados, já tiveram tempo suficiente para fazerem as pazes com o mundo.


Golpes Altos: Cinematografia e fotografia (sendo que não é fácil de perceber, com esta nova brincadeira da cinematografia digital). Epah e mais nada...

Golpes Baixos: 1) Actores! Onde é que foram desencantar o protagonista mais apático de sempre? Ah, e existe uma razão pela qual nunca mais ninguém agarrou no Gabriel Byrne... 2) Argumento... 3) Realização e Direcção de Actores: música frenética em ambientes de reunião sem suspense nenhum, planos horríveis, de mau gosto 4) Já nem sei... tudo.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Retrospectivas - James Dean


'you can wake up now, the universe has ended'


Há quem nasça com demasiada força. Pessoas que tendem a passar as suas curtas vidas em constante disputa com os elementos que as rodeiam. Testam-se - a si, aos outros e ao mundo - constantemente, movimentando-se inquietas por entre picos de felicidade e profunda depressão, nunca conhecendo cinzentos, nunca baixando os braços. Não são pessoas rijas, teimosas, ambiciosas e bem sucedidas - pelo contrário. Esta estirpe de Homens é complexa, frágil, em constante luta com os seus demónios interiores, sem nunca perceber bem qual o seu papel no mundo - onde encaixam.

James Byron Dean nasceu fraco, demasiado ligado à sua mãe, demasiado afastado do seu pai. Encarou a vida como uma prova experimental. Balançando entre vocações, acabou por achar o seu caminho em Hollywood, que o abraçou cedo pela mão de Elia Kazan. Kazan conheceu Dean por sugestão de um amigo, e mais tarde viria a comentar o facto de não ter gostado do miúdo, da sua complexidade e fragilidade, mas achar que era perfeito para o papel. East of Eden foi o primeiro dos três filmes de James Dean, e aquele que lhe valeu a sua primeira nomeação para Óscar. Dos três papeis de Dean, East of Eden talvez seja aquele que mais se coaduna com a personalidade do actor, e aquele em que ele deu mais de si. Rebel Without a Cause é um filme mais fraco, e a personagem de Dean mais unidimensional. Giant, o seu último filme, foi a sua grande prova - e uma que Dean venceu com o talento e a força que só ele conseguia oferecer.

A verdade é que, após a sua morte, o mito sobrepôs-se ao homem - as pessoas agarraram-se ao ídolo, e James Byron Dean ficou perdido no esquecimento. A pessoa profunda, complexa, o intelectual que era ficou ofuscado pelo seu mote 'live fast, die young', pelo constante desafio da morte e pelos seus curtos e pouco profundos casos amorosos. Também, como em tantos outros casos, foi após a sua morte que centenas de biógrafos decidiram explorar a sua vida, acrescentar os seus pontos, especular as suas vendas. Apareceram boatos de violações, de homossexualidade  de depressão crónica e outras patologias que tal. A verdade, é que a vida de Dean foi demasiado curta para se conhecer o homem por trás da cortina. Na sua carta a Elia Kazan, Martin Scorcese refere que "talvez se aprenda mais com a obra, do que com o homem" - é assim que penso em James Dean. Interessam-me pouco as suas crises existenciais - ainda que encontre algum conforto num modelo masculino que dividia atenções entre corridas de carros e poesia romântica - e mais a sua curta, mas brilhante, carreira.

Há quem nasça com demasiada força, mas consiga usá-la para seu proveito. Há quem desafie o mundo nos seus próprios termos, e vença cada batalha. James Dean foi uma força da natureza, e a força que usou no cinema, gastou-a na luta contra o mundo. Neste caso, o último levou a melhor, mas Dean ficará para sempre recordado como o rapaz que sonhou com a vida eterna, e a viveu com o abandono romântico de um sonho que nunca conseguiu bem interpretar.