segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Foxcatcher


Realização: Bennett Miller
Argumento: E. Max Frye, Dan Futterman
Elenco: Steve Carell, Channing Tatum, Mark Ruffalo, Sienna Miller, Vanessa Redgrave

Bennett Miller, aqui com a sua terceira longa-metragem (Capote, Moneyball), todas elas assentes em histórias verídicas, começa lentamente a despontar como um dos mais competentes retratistas dos contornos cinzentos da sociedade norte-americana – o novo e percursor vs o old fashion vigente, a classe pobre e aculturada mas trabalhadora e honrada vs as elites cultas e instruídas mas amorais, a heroicidade do talento puro vs o vazio do dinheiro enquanto matriz de conquista.

E a cada filme que passa parece melhorar: Capote, apesar dum esplendoroso Philip Seymour Hoffman, era um filme mediano, sem grande sumo para lá da densidade da personagem; e Moneyball, esse sim um belo filme, acaba por ser simultaneamente mais leve, menos impactante e, provavelmente de forma injusta, mais facilmente esquecível. Todavia com Foxcatcher, Miller eleva o seu cinema para uma dimensão de ambiguidade ética e moral e paralelamente de frieza emocional em que nunca tinha estado.

O ritmo é lento, muito lento, os próprios diálogos são vagarosos, há planos sequenciais muito longos a acompanhar a fotografia suja, quase granulada, que nos remete para os crime films das décadas de 70 e 80; juntem a isso um clima sempre cinzento, sempre chuvoso, em que as raras excepções são algumas passagens de manhãs outonais na propriedade da família du Pont, com foco sobre a vida selvagem – os pássaros que John (Carell), orgulhoso ornitólogo, tanto gosta de observar e estudar e os cavalos milionários da mãe Jean (Redgrave), símbolos únicos de vida “pura” e sã naquela propriedade –, a quase integral ausência de banda-sonora e o comportamento obsessivo e complexado que John vai evidenciando de forma cada vez mais alarmante à medida que o filme vai avançando, e ficam com uma amálgama tensa e pesada, uma panela de pressão prestes a explodir a qualquer momento. E o melhor de tudo, o segredo da narrativa, está no truque de Miller em nunca fazer-nos sentir quando é que esse pathos ocorrerá. Daí os últimos 15 minutos serem tão cruéis e difíceis de digerir quanto brilhantemente orquestrados.

Por fim, e porque seria injusto não o realçar, mais do que um virtuoso com a câmara ou um construtor de narrativas ímpar (a ambos os pedestais poderá chegar mas precisa de mais filmografia para isso), é na direcção de actores que Miller se vai mostrando magistral: se Seymour Hoffman e Brad Pitt, muito bem coadjuvados por Catherine Keener e Jonah Hill respectivamente, tiveram com Miller papéis de carreira e nomeações para os Óscares (tal como os secundários referidos), em Foxcatcher somos surpreendidos com três interpretações poderosas: Ruffalo num papel “físico”, com muitos tiques de wrestler mas menos denso emocionalmente – é o “talento puro”, feliz com a carreira e com a vida, a personagem solar do tridente; Tatum como um outrora campeão que luta contra a encruzilhada em que a vida o colocou, um solitário sem relacionamentos pessoais e ávido dum reconhecimento profissional à altura do do irmão – o lado lunar; e Carell, com uma rara aparição no drama, assustador enquanto um bilionário filantropo que por detrás duma suposta paixão pelo wrestling se revela um indivíduo sombrio, dominado por demónios de inveja, fracasso, repudia e carente de amor, afirmação e admiração.

Uma daquelas películas que não revemos tão cedo e que mesmo para vermos temos de estar com a predisposição correcta, Foxcatcher é um retrato frio, indigesto e brutalmente triste do dark side of America. Como dizia Peter Bradshaw na sua crítica no The Guardian, “It is a gripping film: horrible, scary and desperately sad.”

Golpes Altos: Bennett Miller, sobretudo pela irrepreensível direcção de actores. A sinergia entre o ritmo ultra lento da narrativa e o tom melancólico do quadro criado. Os três protagonistas, encabeçados por Steve Carell.

Golpes Baixos: Como disse acima, é um filme que dificilmente revemos de tão parado e pesado que é.

5 comentários:

  1. Não consegui gostar deste filme para além do trabalho dos 3 actores.
    O ritmo lento e pesado matou-me completamente, a caracterização do Carell também, há momentos em que a expressão e os diálogos dele chegam a ser mesmo sombrios e a roçar o creepy...
    Mas muitos parabéns aos actores, estão os 3 fantásticos. E é sempre bom ter um vislumbre da Redgrave de quando a quando. :)

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    1. Antes de mais confesso que gostei mesmo do filme, como se depreende do texto (julgo). Mas ainda assim é daqueles casos em que entendo quem não tenha gostado tanto.
      É uma película difícil, muito lenta, até massuda. Além de profundamente triste. E o "vilão" é estranho, creepy como dizes, e deixa-nos com sentimentos dúbios - chegamos a ter alguma pena da solidão e da existência vazia dele, mas temos sempre noção de que é doente e em última instância maldoso.
      Portanto acabo por entender o teu ponto de vista, embora, e repetindo-me, tenha adorado.

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    2. Na na na na na na...

      Não podes não gostar do filme pah! É um filmaço... duro de roer, duro de mastigar, complicado de digerir, ficas na merda e triste e no tapete... MAS É DO CARAÇAS! :)

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    3. Hahahaha! É como tu dizes, é um filme complicado de digerir! É depressivo...

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