terça-feira, 14 de maio de 2013

Golpes de Génio - Tokyo Story

Realizador: Yasujiro Ozu
Argumento: Yasujiro Ozu
Elenco: Chishû Ryû, Chieko Higashiyama e Setsuko Hara


Há algo no conceito de família que nos remete para um passado que nunca conhecemos. Abraçamos inocentemente um falso saudosismo pelos "bons velhos tempos", em que pais e filhos partilhavam mais que silêncios incómodos e trivialidades à hora do jantar. Começo a acreditar que talvez esses tempos nunca tenham existido, que talvez sejam uma projecção idealista do que achamos que a família deveria ser.

Yasujiro Ozu é o mais importante realizador oriental e definitivamente um dos meus favoritos. A simplicidade dos seus filmes caminha lado-a-lado com a profundidade dos seus temas. Nada é passível de ser interpretado em Ozu. Não existem metáforas, hipérboles ou sinédoques. Nenhum movimento de câmara é intelectualizado, nenhum plano passa uma mensagem. Ozu filma com a tranquilidade e a sabedoria de um mestre milenar. Deixa-nos frequentemente em estados emotivos que não conseguimos bem compreender, porque não são ocidentais - uma lágrima em vez de um ataque de choro; um aperto no coração em vez de um sorriso; uma calma interior em vez de uma lição. Ozu intercala todas as suas histórias com pillow shots de paisagens que funcionam como gêngibre num prato de sushi - algo que pomos na boca, entre cada rolo, para nos deixar assentar o que comemos antes, e preparar para o que vem depois.

Todos os filmes de Ozu são o mesmo, e todos são únicos. Parecem confundir-se, repetir-se como haikus cujo conteúdo varia em formas simples e idênticas. De todos eles, Tokyo Story é possivelmente o que chega mais perto da perfeição. E parece ser esse o objectivo de Ozu - a perfeição. O tema é a família, a distância entre gerações, a inevitabilidade da velhice que nos afasta da velocidade da sociedade, nos coloca num mundo à parte. Os dois personagens principais de Tokyo Story são os avós que decidem visitar os filhos e os netos em Tokyo, afastando-se da pacífica vila onde residem, apenas para descobrirem uma família e uma sociedade que não tem tempo para eles, que os considera um entrave. Uma das cenas de maior beleza e profundidade do filme, dá-se quando o casal de idosos observa Tokyo de um miradouro e, partilhando o silêncio confortável que anos de convívio lhes permitem, deixam fugir uma triste confissão 'Que cidade tão grande, esta. Se nos perdêssemos um do outro, talvez nunca mais nos conseguíssemos encontrar'. Vou deixar-vos assim, sem desvendar mais de um filme que é mais que obrigatório, é necessário.

Quando vejo e revejo este filme, pareço aprender sempre qualquer coisa que esqueço logo a seguir. É algo sobre o amor, sobre a vida e sobre a família. Algo que talvez não esteja preparado para saber, algo que a experiência se encarregará de me ensinar com o passar do tempo, ainda que certamente de forma menos calma e menos bonita.

2 comentários:

  1. Belo texto, Buddy. Este filme é maravilhoso.
    Quanto a Ozu, concordo com a devoção mas...e Kurosawa?:)

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  2. Obrigado JP! Acredita que mal escrevi que Ozu é o mais importante realizador oriental, lembrei-me do Kurosawa e hesitei... mas depois, decidi-me. Kurosawa é fantástico, especialmente os seus 7 samurais mas Ozu... é de outro planeta. É como se o Kurosawa fosse o Messi, e o Ozu o CR7 (não, não troquei a ordem!!!!)

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