quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Golpes de Génio - La Dolce Vita


Realização: Frederico Fellini
Argumento: Frederico Fellini
Elenco: Marcello Mastroianni, Anita Ekberg e Anouk Aimée

La Dolce Vita é a obra mais importante de um dos realizadores mais importantes, e só isso já é suficiente para lhe chamar um Golpe de Génio. Tecnicismos à parte este foi, é, e creio que será sempre o filme mais importante da minha vida. Por isso perdoem-me alguma atrapalhação introdutória - é dos nervos.

O filme começa com a estátua de Cristo a sobrevoar a cidade, preso a um helicóptero. O espectador desprevenido poderá ser levado a pensar que Fellini pretende abençoar Roma - não se engane. O começo do filme, tal como o seu título, não podiam ser mais irónicos.
Dentro do helicóptero está Marcello, um colunista cor-de-rosa cuja rotina se divide entre as festas das estrelas e as relações fugazes e vazias. Marcello é interpretado por Marcello Mastroianni, e os dois misturam-se tanto que nem o nome muda.

Mastroianni sempre foi um actor passivo e, neste filme, isso faz sentido. A viagem do personagem é a  viagem do espectador. Este deixa-se guiar  pelo mundo do espectáculo, do estrelato, das festas que nunca acabam e das relações que nunca começam - mas a sua mensagem é muito mais abrangente. Marcello é um homem triste, desesperado por fazer algo mais com a sua vida - fala-se num livro que está a escrever mas que nunca acaba -, persegue as mulheres que não pode ter, afasta as mulheres que tem e, involuntariamente, conduz a sua vida numa espiral decadente, triste e resignada cuja única saída seria um regresso ao passado - à inocência. Mas já lá vamos.

O personagem adjuvante, herói de Marcello e seu único verdadeiro amigo é Steiner. Steiner é um homem culto, realizado, com uma família que ama e uma vida aparentemente perfeita. Os serões serenos que Marcello passa em sua casa contrastam com as noites loucas da dolce vita. Fellini mostra-nos que ainda existe esperança para Marcello, e Marcello sente que pode vir a ser igual a Steiner, que a sua vida ainda não está totalmente perdida... Mas isto não é uma canção de amor. Steiner acaba por tirar a sua própria vida e dos seus filhos ainda nos berços.
Quando questionado pela polícia sobre o motivo do crime, Marcello responde "Ele tinha medo, suponho...".

Com a morte de Steiner, morre também a esperança de Marcello e, no fim, é essa a mensagem de Fellini - resignação. A doce vida é tão amarga, que é impossível fugir dela. Quando Marcello, na sua última tentativa de isolamento, recolhe a uma vila pacata para poder acabar o seu livro, conhece uma rapariga inocente que personifica a pureza da infância, do campo, da vida simples. Apesar dessa cena ser das mais curtas do filme, não estranhamos quando voltamos a ver a mesma rapariga no fim - numa última oportunidade para Marcello ser feliz.

O filme acaba com uma cena simétrica à de abertura. Se no princípio nos mostram um falso Cristo a sobrevoar Roma, no final vimos Marcello a chegar à praia, embriagado, com um grupo de gente do mundo do espectáculo, para verem um peixe morto que deu à costa. O peixe é Cristo - desta vez real e  de olhos abertos - "Está morto. Para que olha ele?". Marcello abandona o peixe e vê que alguém o chama do outro lado da praia. É a rapariga. Chama-o, faz sinais, mas o barulho das ondas do mar não o deixam perceber - "Non si sente... non si sente". Marcello ajoelha-se na areia da praia, olha a rapariga uma vez mais, encolhe os ombros, e baixa os braços - prostrado.
Nunca mais me vou esquecer do último olhar da rapariga antes de ele virar as costas - é um olhar triste, mas quente, de pena e de amor. Marcello é um homem bom mas nunca conseguiu ser um bom homem. O sonho da doce vida, das festas intermináveis e das relações fugazes destruiu-o e, no final, volta derrotado.

La Dolce Vita não é um filme para adolescentes. Quando se é adolescente não se entende os malefícios das más escolhas, das vidas voláteis e das relações descomprometidas. La Dolce Vita é para quem já a viveu mas conseguiu fugir dela - ou para quem, como Marcello, continua na festa da praia, a olhar o monstro, à espera de ouvir a rapariga gritar o seu nome.


Golpes Altos: Tudo. É o filme perfeito e o  melhor filme de sempre.
Golpes Baixos: Nada. Não mudava nada.

4 comentários:

  1. Esqueci-me de dizer que ele passa o filme todo à volta de gajas e não leva nenhuma pra cama..

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  2. Epá belo comentário ó buddy. Vê-se que é muito pessoal.

    Fiquei com vontade de ver o filme novamente (vi apenas uma vez e, com franqueza (para parafrasear a expressão favorita do Santana Lopes), confesso que não gostei). No entanto fiquei com mais do que vontade de dar uma segunda oportunidade - uma prova de fé no julgamento quase impecável da sua pessoa (tirando umas divergências aqui e ali, que a seu tempo provavelmente surgirão aqui nos "Golpes de Génio").

    P.S. - O formato "Testa-a-testa" é excelente! Carrega buddy!

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  3. Concordo a 100% com os golpes altos e os golpes baixos. Quanto ao texto, parabéns, é uma descriçao maravilhosa de um filme maravilhoso.
    Helena

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