domingo, 10 de fevereiro de 2013

Golpes de Génio - Apocalypse Now


Realização: Francis Ford Coppola
Argumento: John Milius e Francis Ford Coppola
Elenco: Martin Sheen, Marlon Brando e Robert Duvall

"Going up that river was like travelling back to the earliest beginnings of the world, when vegetation rioted on the earth and the trees were kings".

O livro precede o filme, mas o horror mantém-se. Apocalypse Now é a versão cinematográfica do clássico de Joseph Conrad de 1899 Heart of Darkness. No livro, Willard é Marlow, o Vietname é o Congo, mas Kurtz é Kurtz - e não podia deixar de ser. Kurtz destaca-se entre os grandes personagens da ficção universal - lado a lado com Jay Gatsby e o Grande e Poderoso Oz - porque é mais que uma personagem, é um ideal.

No filme, Willard (Martin Sheen) sobe o Mekong numa missão para matar o Tenente Coronel Walter E. Kurtz (Marlon Brando) - um condecorado militar que desertou durante a Guerra do Vietname e que, tal como no livro, se estabeleceu nas trevas da selva como um deus. Willard alimenta ao longo do filme um crescente fascínio por Kurtz, pelo seu percurso e pelo momento em que se libertou das amarras do mundo moderno e das hipocrisias e fraquezas do mundo militar.

Se esta fosse a história, Apocalypse Now seria um filme de guerra - ainda que provavelmente o melhor de sempre - mas a história é muito mais que isto. Porque a viagem de Willard é uma viagem de auto-descoberta. De certa forma, não é Kurtz que o espera no final do rio, mas o lado negro da sua própria humanidade.

A meu ver, a personagem de Kurtz difere um pouco do livro para o filme, especificamente no que toca aos seus motivos. Ambos os personagens assumem a necessidade de se apresentarem aos nativos - sejam congoleses ou vietcongs - como deuses, para que possam dominar e não apenas sobreviver. Mas enquanto Mr. Kurtz é um homem guiado pela ambição e pelo marfim, o Coronel Walter E. Kurtz é um idealista. Vê-se a si próprio como alguém que teve o privilégio de ver o mundo fora do conforto e segurança da civilização ocidental e que, como consequência disso, encontrou uma humanidade perdida - em que nada resta senão o horror. Por isso não considero Kurtz louco. O homem permanece inteligente, racionalmente lúcido - foi a sua alma que se perdeu e as suas acções são reflexo disso. Porque, no fundo, o que Kurtz faz é abraçar a imoralidade do mundo, tornando-se o seu Rei e mais cruel representante.

Mas, mais uma vez, resumir o filme a estas premissas é insuficiente. Apocalypse Now é um filme exímio na sua concepção, em que cada cena e cada episódio narrativo estão perfeitamente combinados, de forma a que não reste dúvida da sua genialidade. Podia aqui escrutinar exaustivamente cena a cena, mas corria sérios riscos de os aborrecer para sempre. Por isso, basta dizer que o considero um dos três melhores filmes de sempre - lado a lado com os dois principais do Fellini.

Com o passar dos anos, vi e revi o filme, li e reli o livro, e a minha concepção da personagem de Kurtz foi-se transformando à medida que fui conhecendo o mundo onde vivemos. Percebo-o agora melhor que nunca, e questiono-me se, naquele contexto, Kurtz não era de facto um homem iluminado, que viu mais do que os outros, e se os loucos não somos nós, que confrontamos o horror enquanto tomamos o pequeno-almoço, escolhendo não ver as trevas do nosso próprio coração.

Golpes Altos: Interpretações, realização personalizada (a forma como Kurtz é filmado, com metade da sua cara escondida pela sombra), melhor argumento adaptado de sempre, grande banda-sonora, grande cinematografia.

Golpes Baixos: Apesar de perceber a intenção de encurtar a experiência cara-a-cara entre Willard e Kurtz, faz-me falta pelo menos mais uma hora de filme.

9 comentários:

  1. Estou a pensar nas cenas mais rebuscadas da subida do rio, estou a pensar na mítica cena do tríptico Duvall/napalm/Wagner, estou a pensar no assombro que é a breve aparição de Dennis Hopper, estou a pensar nos vietcongs estou a pensar nos tais planos do Coronel Kurtz que o Buddy tão bem refere, em que só o vemos de perfil e meio tapado pela sombra...estou a pensar em tanta coisa.
    "The horror...the horror...". Brilhante. Um dos filmes de vida. E nunca haverá outro Marlon Brando.

    P.S. - Coppola era um alto sacerdote do cinema. Em 1992 realiza Bram Stoker's Dracula, com um Gary Oldman incandescente, e "desaparece" do cinema.
    Passaram-se mais de 20 anos, a realização de alguns filmes pobres, a produção de outros tantos de gosto e sboretudo qualidade duvidasa. Aí pelo meio retenho um Youth Without Youth interessante mas ainda assim menor quando comparado com o passado do autor, e questiono-me: o que aconteceu? Um (enorme) mistério que não consigo entender ou explicar.

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  2. Ahah o Coppola é um gajo com um percurso idiossincrático. Mas devo dizer que, não só não gosto do Youth Without Youth (acho que o conceito é bom, mas falta-lhe o resto), como gosto bastante de alguns dos filmes mais contestados do tipo. Exemplos: The Outsiders, Rumble Fish, The Conversation e... Jack! Sim, eu gosto do Jack!

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  3. Pois, mas dás-me razão! A verdade é que filmes mais antigos dele, mesmo quando não eram estrondosos, eram bons! The Outsiders e Rumble Fish não me dizem muito mas The Conversation é para mim um excelente filme.
    A questão é que de há (muitos) anos para cá, esgotou-se a qualidade. Fico doente.

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  4. Verdades... e agora saiu um dele com o Val Kilmer que se chama Twix, ou Marx ou Toblerone ou qualquer coisa do género. Val Kilmer? A sério? Esse gajo não era bom quando toda a gente achava que ele era, não vai começar agora...

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  5. Val Kilmer? Heat!! Ah, e Kiss Kiss Bang Bang...

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  6. Ele no Heat faz um papel secundário. Kiss Kiss Bang Bang é horrível... nem o Downey Jr o safa.

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  7. O Kiss Kiss Bang Bang não é um bom filme nem tenta ser, já te ouvi adorar filmes desses :)
    Mas claro que é uma merda, do que falo é do papel do Val Kilmer que está EXCELENTE! Um mauzão gay... óptimo!

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  8. Mauzão gay só o Bardem! Desculpa mas eu associo sempre o Val Kilmer a papeis como "Sou cego e dou grandas massagens", "Sou um espião copiado duma série horrível com o Roger Moore" ou ainda "Engordei 30 kilos e agora tenho que fazer de gajo que comanda as operações mas já não vai pro terreno".

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