quarta-feira, 3 de julho de 2013

Retrospectivas - Sofia Coppola


'The unexpected connections we make might not last, yet stay with us forever'


'Heavy lies the crown', dizem os entendidos. Sofia discordaria. Nasceu com a mais pesada herança do cinema moderno, e superou todas as expectativas com a classe, elegância e placidez que só poderiam surgir de uma mente feminina. Curioso, se considerarmos que três dos seus quatro filmes - até à data - dividem a sua atenção entre a perspectiva masculina e feminina, parecendo compreender as fragilidades, os anseios e a solidão de ambos os sexos - como se em Sofia houvesse um pouco de tudo, masculino e feminino, cuidadosamente harmonizados para não ferir susceptibilidades.

Ao pai, foi buscar o profissionalismo, o conhecimento. Ao irmão, foi buscar a estranheza. Ao marido, a música. Mas os seus filmes transcendem a técnica, são mais que uma soma de todas as partes. Piscam-nos o olho à alma, e isso Sofia foi buscar a si mesma. Coppola estreou-se no cinema com uma adaptação do livro The Virgin Suicides, uma ode aos erros da juventude, aos amores perdidos, aos malefícios de uma má educação, à profundidade esquecida dos 16 anos. Conquistou-me imediatamente. Pareceu-me que existia alguém que compreendia os meus anseios, as minhas dores. Havia alguém que punha um filtro na câmara e via as raparigas a brilhar por entre cabelos e desejos, como eu as via.

Mas Sofia encontrou o seu lugar uns anos mais tarde, com a obra-prima Lost in Translation. A tradução do filme em português explica a abordagem da realizadora face ao amor, face à crise de meia-idade e do início de vida. Com o filme, levou um Oscar de Melhor Argumento Original, e relançou Bill Murray no que viria a ser uma nova carreira de sucesso. Pessoalmente, considero-o um dos filmes mais importantes de sempre, pela forma como reinventou o cinema, as relações e a arte. Sofia transformou a arte-pop em algo verdadeiramente significativo, utilizando os decorativos típicos do género para sustentar algo profundo e verdadeiro.

Peço-te, Sofia, que continues a usar a câmara como os meus olhos para o mundo. Mantém a inocência e a pureza da juventude porque é dela que vive a arte. Quanto a mim, continuarei a utilizar-te para fugir à frieza do mundo, e lembrar-me que a idade, tal como o amor, é um lugar estranho.

16 comentários:

  1. Estou curiosa com o The Bling Ring! :)
    Tenho pena de ter visto o Lost in Translation já alguns anos depois de ele ter saído (tipo, este ano xD), mas concordo com o que dizes dele e foi bom rever o Bill Murray em alta! :)

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  2. Não questiono em nada o mérito da Sofia Coppola como realizadora e argumentista. Já essa adjectivação do Lost In Translation como tendo reinventado o cinema (e dado significado à pop arte? really?) é que acho mais questionável. O filme é óptimo, mas não encontro nada de terrivelmente diferente nem na estética, nem na temática, ou na realização, ou desempenho dos actores (embora sejam todos de optima qualidade). Queres elaborar?

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    1. Só não elaborei mais porque ainda tenciono escrever um Golpe de Génio dedicado ao filme, mas aqui vai uma breve mas sentida explicação:

      Nenhum filme antes deste foi tão honesto ao retratar uma relação humana. E a palavra é só esta: honestidade. O Bergman tentou, com as Cenas da Vida Conjugal, mas o que fez foi arranhar a superfície do que a Coppola escavou. É a conjugação perfeita do amor platónico, as crises de identidade, a solidão e conforto que só um estranho pode oferecer, quando as pessoas mais próximas de nós se distanciam inevitavelmente.

      Isto quanto ao ter reinventado as relações no cinema. Quanto a ter reinventado o cinema, posso agarrar no facto de ter inventado um novo género cinematográfico, entre o drama e a comédia, que mais tarde viria a tomar outras proporções pela mão de outros realizadores como Anderson ou mesmo o Zach Braff. A fotografia e realização deste filme é única, é uma espécie de simbiose entre o neo-oriental do Kar Wai com Godard. De qualquer forma, nunca tinha sido feito nada parecido.

      Quanto à questão da pop arte, não disse que lhe deu significado, disse que a utilizou superficialmente (até porque, a meu ver, a pop art não pode ser utilizada de outra maneira) como adereço de um argumento profundo e verdadeiro.

      E a palavra de ordem é esta: verdade. O filme é verdade, sem nunca deixar de ser romântico, sonhador. parece que estamos a oscilar entre um plano etéreo e um plano terreno.

      Enfim, não tenho dúvidas que é uma obra-prima e até vou 'tão longe como afirmar que transformou o cinema tal como o conhecemos.

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    2. Hmmm, boa. Por pontos:

      Relações

      Não consigo conceber que se diga que a Coppola levou o retrato de uma relação humana a níveis mais profundos que o Bergman ou o Woody Allen fizeram. Quanto muito pode dizer-se que ela retratou uma dimensão das relações humanas, à luz de uma sensibilidade muito própria, que ninguém ainda tinha feito. O que também é discutível, mas já percebo. Da mesma forma que o Before Sunrise também o fez nos anos 90, ou o Harry Met Sally, noutro género. Não encontro nada no filme que me faça pensar nele como O filme sobre Relações Humanas. (assim com maiúsculas)

      Novo género

      Eu diria que, em termos gerais, a mistura entre o drama e comédia já existe há décadas, desde o Rules of the Game até ao Groundhog Day, passando por muita coisa dos Coen, etc. Se te referes a este género mais específico (ou indie, diriam alguns) de drama e comédia, com uma estética "diferente", fora do sistema de Hollywood, etc, diria que o Being John Malkovich (1999) ou o Royal Tenenbaums (2001) já são exemplos bem marcados dessa onda e que antecedem o Lost in Translation. Claro que o Lost in Translation solidificou e levou o género a outro estatuto, pelo impacto e visibilidade que teve, mas não me parece ter sido assim tão inovador, nesse aspecto.


      Já em relação ao conceito de verdade, não vou entrar por aí. Sobre o desempenho dos actores, nota 10 para o trabalho de casting, nota 8 para as actuações.

      Que o filme teve impacto no cinema recente, também não discuto. Sobretudo como parte de uma vaga de autores "indie" que mostraram que é possível fazer dinheiro com um estética e sensibilidade diferentes (aconteceu algo de semelhante na música). Que o tenha revolucionado, tenho algumas dúvidas, como também tenho em relação ao Zach Braff enquanto realizador (e à cara de bolacha da Natalie Portman). :)

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    3. Ok. No que toca ao Woody Allen e ao Bergman, acho mesmo que lhes faltou uma profundidade que existe na relação do Lost in Translation. Acho mesmo. Principalmente no caso do Allen, que não acho que brilhe pela profundidade, mais pela observação curiosa.

      Relativamente ao género da Coppola, não tem nada a ver com o Groundhog Day que é obviamente cómico ou com o Renoir que é obviamente dramático. No que toca aos Coen, a abordagem é diferente e não acho que seja comparável (mas sim, mistura drama e comédia). De resto, estou totalmente em desacordo quanto às interpretações, às qualidades do Braff mas, sobretudo... e agora a coisa vai ficar feia André... o que é que chamas-te á minha miúda?

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    4. Ok, a partir do momento em que se reduz o gajo que fez o Manhattan (um filme, no seu todo, muito melhor que o Lost in Translation) a um "observador curioso", no panorama dos filmes sobre relações / condição humana, aproveito como deixa para me retirar da discussão, que, embora saudável e interessante, prevejo longa - talvez a retomar quando escreveres o tal golpe de génio. E o Rules of the Game é tão obviamente um drama como o Lost in Translation não é uma comédia.

      Em relação à Natalie Portman, mas é tipo Hugh Jackman e James Franco, aquilo bate tudo tão certo que me irrita, lamento imenso. :)

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    5. O Manhattan é dos filmes mais fracos do WA. Até ele já admitiu isso. Se me falares do Annie Hall ou do Deconstructing Harry... Mas mesmo assim, "observador curioso" parece-me perfeitamente justo.

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    6. O woody allen pode dizer o que quiser (ele já disse isso sobre vários filmes dele), casar com quem quiser, ou achar que a scarlett johnajejsadjasdn é uma óptima actriz, que não retira o facto do Manhattan ser uma obra-prima. Pessoalmente, gosto mais da Annie Hall, mas como objecto cinematográfico o Manhattan está lá à frente. O Lost in Translation não.

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    7. Pois pah não concordo mesmo. Acho o Manhattan pretensioso, e um filme que, depois de uma abertura brilhante, se torna chato. O Lost in Translation é, para mim, muito melhor. Mas lá está, discussões sobre filmes desta categoria caem muito no subjectivo.

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  3. Ah e quanto ao desempenho dos actores... quem dera aos grandes realizadores da nossa história terem tido actores que lhes dessem o que Murray e Johansson deu à Coppola neste filme. Em falta de melhor adjectivo, estão perfeitos. Tão perfeitos, que no final sentimos que ~estão no seu direito em não nos deixar ouvir o que dizem ao ouvido um do outro. Eles existem, e nós não temos nada a ver com isso.

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  4. A Sofia é brilhante! Não diria que inventou um novo género cinematográfico ( assim de repente, veio-me logo à cabeça Adaptation e certamente que haverá muitos mais). Mas o que ela conseguiu fazer, como creio que nunca ninguém conseguiu, foi filmar emoções, silêncios. Algo que só voltaria a ver com McQueen em Shame.

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    1. Nem o Adaptation do Jonze nem o Shame do McQueen têm rigorosamente nada a ver com o Lost in Translation. Nem em estilo, nem em realização, nem em temática, nem em nada. Para mim é óbvio que ela reiventou as relações cinematográficas, e é óbvio que inventou um novo tipo de filme - o dela.

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    2. Ui... Esta resposta não tem nada a ver com o que eu disse...

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  5. Nem vou entrar nesta discussão porque vai dar merda :)

    Só uma nota quanto ao Lost in Translation: Ouvi 4 opiniões que diziam isto "adorei o filme antes de ir ao Japão, quando fui passei a achá-lo um cliché gigante...".

    Já vi o filme, adorei e vou ao Japão em Setembro. Veremos...


    PS: Comparar a Sofia ao Woody é como comparar o Michael Bay ao Steven Spielberg. E eu gosto dela!

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    1. Esse comentário das pessoas que foram ao Japão é o tipo de treta pretensiosa que as pessoas que saem de portugal durante 2 semanas dizem para se sentirem importantes. Não percebo como é que isso pode ter qualquer ligação com o filme.

      Para além disso, não fui que comparei A Sofia ao Woody, só respondi que são diferentes. O Woody é um observador curioso e satírico das relações amorosas, a Sofia trata-as de uma forma bem mais profunda. Isto não é uma comparação qualitativa, é apenas constatar uma diferença.

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  6. As pessoas devem dizer isso porque o filme mostra o Japão turístico. Aquelas coisas que todos os turistas fazem e visitam. Afinal eles são dois turistas… E o filme não é só Tóquio e Japão, é tudo o resto. Isso é o lugar. Lost in Translation é um filme maravilhoso, uma obra-prima, tal como Manhattan e outros. São daquelas jóias que de vez em quando aparecem no cinema. E eu acho que a Sofia só faz jóias.

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