terça-feira, 23 de abril de 2013

Golpes Indie - Simon Killer

Realização: Antonio Campos
Argumento: Antonio Campos
Elenco: Brady Corbet, Lila Salet e Constance Rousseau

'I've always wanted to be a lion', diz Simon quando conta a história de como a mãe o costumava chamar 'raposinha'. São dois tipos bastante diferentes de animal, o leão e a raposa - um é corajoso, protector, forte e viril; o outro é fraco, matreiro, hábil e mentiroso. E tudo vai mal no reino animal, quando uma raposa quer por força ser leão.

Simon Killer não foi feito para ser gostado. É um filme visto pela perspectiva de uma das personagens mais odiosas da história do cinema. Vimos Paris pelos olhos do seu protagonista, vimos as mulheres pelos olhos do seu protagonista mas, sobretudo, vimos o seu protagonista. Simon assombra o filme. Simon é um personagem de Dostoiévski, sem os pontos altos. É um vermezinho horrível que somos obrigados a conhecer aos poucos durante 105 minutos, começando por meter pena e terminando com asco, deixando-nos a implorar para que o filme acabe para não sermos obrigados a olhar mais para a sua cara. E tudo isto pode parecer terrível, mas não é.

A realidade, é que Simon é uma personagem monstruosa, excepcionalmente bem construída e brilhantemente interpretada. Simon mostra-nos o que de pior existe no ser humano, sem hipótese de redenção ou luz ao fundo do túnel. E o filme acompanha o personagem a par e passo. A realização de Antonio Campos é desconfortável. Os planos fogem constantemente a qualquer regra do cinema, deixando-nos claustrofóbicos, a implorar por uma freixa de ar puro que nos afaste do mundo doentio de Simon - mas ela nunca chega. Não existem heróis, nem anti-heróis, nem vilões - existe um jovem que vem passar férias a Paris, destrói umas quantas vidas, e volta para casa.

E é tudo isto e muito mais, que faz deste um dos melhores filmes que vi este ano - certamente um ponto forte do festival IndieLisboa - e de Antonio Campos um nome a decorar. A realização é desconfortável, mas é esse o seu objectivo. Campos parece sempre filmar espaços, e deixar que os personagens entrem e saiam deles a seu belo prazer. Filma Paris sem focar o que de melhor há na cidade. Porque o filme são os olhos de Simon, e Simon não está interessado em Paris. Está interessado em si próprio, nos seus desgostos amorosos, na sua tese de mestrado, nas suas fraquezas, na sua capacidade de engate, na sua mamã. A verdade é que existem pessoas fracas, existem mentirosos, existem cobardes e existem pessoas assombradas. Mas Simon leva tudo isto a um ponto sociopata.

Na sala onde assisti ao filme, algumas pessoas saíram a meio. E saíram a meio num dos poucos momentos de violência que existe no filme e que, ainda assim, não é sequer explícita. Saíram, provavelmente, porque todo o ambiente do filme é violento - não para os personagens, mas para o espectador. Nós, seres-humanos, temos necessidade de assistir a alguma catarse, alguma justiça, alguma esperança de que o universo se organize e que "Deus castigue". Mas Simon é o seu próprio deus, e não existe castigo para ele no filme, não existe perdão, não existe sequer conclusão - existe apenas o decorrer normal da vida de uma pessoa de merda.

Para mim, é fascinante ver um personagem tão bem trabalhado, num filme tão bem conseguido, tocando num tópico tão impopular, com uma abordagem tão escatológica, tão visceral. Fez-me lembrar o último filme de Steve Mcqueen. Shame é um filme melhor, com uma realização mais matura e um argumento mais rico. Mas a personagem principal é, a meu ver, menos profunda e menos credível que a de Simon. 

Faz parte da arte o retrato do grotesco. Faz parte da vida sermos obrigados a lidar com pessoas que desprezamos, sermos obrigados a ver coisas que não queremos. Simon Killer é um feel-bad movie, mas um que todos deveríamos ver.


Golpes Altos: Banda sonora incrível e incrivelmente bem editada com o filme (vou já sac... comprar o cd). Uma das melhores personagens que já vi no grande ecrã. Trabalho de actores maravilhoso (soube depois, pelo agradecimento em palco do realizador, que os dois actores principais participaram também na escrita do argumento - bem jogado!).

Golpes Baixos: Talvez (talvez!) uma certa saturação da realização de autor. Pré-requisito de estômago forte - deixem os valores morais em casa.

9 comentários:

  1. Tenho de ver, até porque a estreia de Antonio Campos no Afterschool há uns anos surpreendeu-me.
    O actor principal é que vai fazendo carreira em filmes dark e indigestos: Funny Games (é o comparsa do inesquecível Michael Pitt), Martha Marcy May Marlene, Melancholia e agora este Simon Killer.

    P.S. - McQueen e Fassbender e os seus Hunger e Shame são tão, tão grandes, que qualquer referência comparativa cativa a minha atenção.

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  3. O Brady é incrível. E trabalhou com o Campos no Martha Marcy May Marlene (na altura o Campos tava como produtor). O Melancholia para mim é o grande cisma do ocidente, mas pronto o rapaz até está bem.

    Atenção, o Shame é melhor filme que este. Mas, como disse, a personagem deste é mais tridimensional, deu mais trabalho. De qualquer forma, Hunger e Shame são obras-primas, este é só um grande filme.

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  4. Não tenho a mesma "aversão total" a Von Trier do que tu, lol, gostei de alguns do passado (Breaking the Waves, Dogville), mas o Melancholia é horrível. Ponto, parágrafo. Mas o rapaz realmente vai bem. E no Funny Games, apesar de ofuscado pelo "estoiro" que é Pitt, também está óptimo.

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  5. Não desgosto do Dogville, admito. Mas não chega para desculpar um gajo que é responsável por pôr a Bjork a cantar no grande ecrã. Actos destes deviam ser punidos internacionalmente. A Bjork devia estar em prisão domiciliária por acusações de "nojentice". E pronto... depois o Melancholia e as declarações Nazis e eu odeio o Von Trier e tudo aquilo que ele representa lol. O Funny Games é todo incrível e eles de facto estão os dois (ou antes, os quatro) óptimos - mas sim, Pitt ganha (RIP James Darmondy).

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  6. Como já tive oportunidade de transmitir ao eminentíssimo e reverendíssimo buddy, concordo apenas, em matéria de golpes altos, quanto à banda sonora (aliás, reparo agora que o refrão daquela música psicadélica que marca o início do filme e compõe algumas das suas cenas mais bem conseguidas é "It Takes A Muscle To Fall In Love", o que demonstra uma intenção irónica que me agrada), mas mesmo aí com uma ressalva: a edição é má e os cortes abruptos são mais uma marca de estilo desnecessariamente repetida até à exaustão pelo Senhor Campos.

    Quanto ao Funny Games, é bom - embora aproveite para manifestar o meu pesar por não vislumbrar neste debate uma única referência a esse portento de tudo o que é bom no Mundo chamado Naomi Watts - , mas, e deixem-me lá armar um bocadinho ao pingarelho, o original de 97, mesmo sem Naomi Watts e Michael Pitt, é muito melhor.

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  7. Curiosamente, são os dois do mesmo realizador :P O Sr. Amour decidiu fazer um europeu e um americano... não consigo bem perceber porquê, mas gosto muito dos dois.

    Quanto à música do Simon, já estou a tentar sacar a OST toda. Quanto à edição e montagem, não posso estar em maior desacordo. Mas é isto que faz do cinema, cinema. E é por isto que gosto de ir bem acompanhado ver filmes que, bons ou menos bons, causem impacto!

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  8. Senhor Doutor buddy, espero bem que a sua frase seja apenas uma inadvertida tirada da sua parte e que não tenha presumido que eu desconhecia que o filme de 1997 também era do Haneke.

    Caso contrário, e de acordo com o Código Penal da MOPolândia, será punido severamente e tarda nada ver-se-á transformado em Joseph K.

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  9. As suas ameaças MOPkafkianas resvalam na couraça da minha indiferença. Considere-se desafiado para um duelo.

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