Realização: Clint Eastwood
Argumento: Jason Hall
Elenco: Bradley Cooper, Sienna Miller, Luke
Grimes, Jake McDorman, Cory Hardrict, Keir O'Donnell
“American Sniper is
the biggest anti-war statement any film can make. It’s about what war does to
the family and the people who have to go back into civilian life like Chris
Kyle did and what it does to the people left behind.”
Com esta afirmação Clint Eastwood demarca-se
das críticas de pró-guerra e islamofobia que fora acusado e descreve o seu novo
filme como um sentido elogio às marcas de guerra e àqueles que têm força e
coragem para ultrapassar as lembranças, os traumas.
Podemos concordar ou não – o
veterano realizador é um republicano e patriota convicto, além de praticamente toda
a sua filmografia assentar numa matriz de “o bem” vs “o mal”, portanto caberá a
cada um de nós tirar as suas ilações – mas se há algo que sobressai neste
biopic sobre Chris Kyle, o sniper norte-americano com maior número de mortes
registado em qualquer palco de guerra em que os EUA tenham estado presentes e
que era conhecido pelos seus pares como “Lenda”, é exactamente o foco que
Eastwood coloca sobre o stress pós-traumático nos veteranos de guerra e no quão
difícil é o regresso a casa, à família, ao quotidiano comum.
E é aí que residem os melhores
momentos do filme, os regressos a casa de Kyle (fez quatro tours no Iraque): a
dificuldade de ambientação expressa num misto de timidez e incómodo no relacionamento
ou simples diálogo com outras pessoas (excelente Cooper nesse aspecto, sempre
deslocado), o distanciamento da mulher e dos filhos, ainda crianças, e uma crescente
ansiedade de Kyle face a todos aqueles que não pôde salvar e ao dever
patriótico de voltar e continuar a lutar pela sua pátria, o seu povo – a cena
do reencontro com o irmão à beira do embarque, espelho das diferenças grotescas
que existem entre “obrigação” e “missão”.
Paradoxalmente, sempre que a
película avança para terreno “inimigo” a qualidade perde-se, ou pelo menos
dilui-se; há cenas excelentes, não quero ser mal interpretado – o momento
inicial em que Kyle tem a mulher e o miúdo na mira, brutalmente tenso, e de
repente o flashback para a infância, ou a inacreditável cena da tempestade de
areia em Sadr City, tecnicamente um espanto – mas há demasiado “americanismo”
exagerado em palco de guerra, culminado com a vingança pessoal de Kyle (que é
antitético com o seu patriotismo e sentimento missionário) e a infeliz cena “à
la Matrix” quando Mustafa é abatido.
A verdade é que o realismo
contido e quase neurótico que Eastwood consegue transmitir nas cenas de
regresso aos EUA – os olhos muito abertos de Kyle enquanto a mulher desespera
na cena na cama, ou a psique em transe do militar quando vê e ouve um cenário de
guerra que não existe em frente ao televisor desligado, seguida da “explosão”
junto à piscina (Cooper novamente forte) –, esmorece e tudo se torna demasiado
emocional, demasiado romanceado, demasiado plástico quando a acção voa para o
Iraque.
Talvez seja normal, apesar de ser
o último grande realizador americano clássico, desde 2008 e do seu maravilhoso Gran Torino – o círculo que se fecha na
carreira e na vida de Clint, de Blondie/Joe/Man with No Name a Harry Callahan
ou Bill Munny – que o octogenário entrou numa espécie de piloto
automático, tocando vários géneros nas suas últimas películas mas sem nunca
conseguir voltar a ser brilhante.
Por isso a sensação que fica é
que American Sniper não é o que podia
ter sido, o retrato cru e desolado da Guerra ao Terror norte-americana, na
mesma linhagem de The Hurt Locker, a
obra-prima de Kathryn Bigelow; e também não é a grande peça de guerra de
Eastwood, mestre em todos os géneros. Essa é Letters from Iwo Jima.
Ainda assim, um filme com qualidade e com momentos grandes. Clint não sabe fazer mal.
Golpes Altos: Não sou fã de Cooper mas tem um bom desempenho, seguro dentro da insegurança e desequilíbrio da personagem. O retrato do stress pós-traumático enquanto veículo de destruição. A cena da tempestade de areia, de cortar a respiração.
Golpes Baixos: A falta de realismo, de contenção dramática, de frieza nos momentos de combate. Há uma heroicidade exagerada, por assim dizer. A cena da “bala lenta”, despropositada.