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segunda-feira, 25 de março de 2013

Golpes de Génio - La Notte

Realização: Michelangelo Antonioni
Argumento: Michelangelo Antonioni
Elenco: Marcello Mastroianni, Jeanne Moreau e Monica Vitti

O dia serve de prelúdio. Giovanni e Lidia caminham em direcções opostas, numa cidade triste feita de ruas despidas e reflexos esbatidos. Antonioni filma este dia na cidade, como se esta fosse demasiado alta para o casal se encontrar e demasiado estreita para poderem respirar. Dá uma constante sensação de labirinto. Um labirinto de cimento que sufoca duas pessoas cujos melhores anos já passaram há muito.

Giovanni é um passivo, um resignado que evita olhar para Lidia, com medo que o olhar possa sugerir uma intimidade para ele perdida. Lidia é um enigma (pelo menos para mim, que sou homem). Está numa crise. Percebe a indiferença do marido e passa o filme todo a vaguear sozinha - à espera de encontrar algo. No principio, pareceu-me serem um casal em sítios diferentes da relação, mas depois percebi que não. São apenas duas pessoas diferentes no mesmo sítio - onde, nas palavras de Giovanni, já não têm ideias.. só memórias.

O dia acaba, e o casal decide ir a uma festa. É nesta festa que tudo se passa - o que interessa é a noite. E, quando a noite acaba, o filme acaba com ela. La Notte segue a tradição do cinema italiano dos anos 60/70. É um filme alegórico, mas realista. Vale pelos diálogos brilhantes, e pela abordagem seca que faz do amor e da vida. A grande diferença entre La Notte e o La Dolce Vita é que, enquanto este último fala de um homem, La Notte divide a sua atenção entre os dois elementos do casal, dando-nos oportunidade de aprender com os dois, de analisar a relação dos dois, espelhá-la na nossa própria experiência de vida, e retirar algum ensinamento.

O filme insere-se na 'Trilogia da Alienação' de Antonioni. É o segundo, precedido pelo L'Avventura e precedendo L'Eclisse. A crítica recebeu mal o filme, muito provavelmente porque o mundo ainda não estava preparado para ver este tipo de cinema. Actualmente, é uma lufada de ar fresco ver um filme com mais de 50 anos que nos parece mais contemporâneo que os do nosso tempo.

O filme não é bem-disposto, porque o tema em si é pesado e os personagens demasiado realistas. Mas segue a tradição italiana dos comic reliefs por meio dos diálogos subtis e inteligentes. E eu evito utilizar esta palavra para caracterizar filmes. "Inteligente" soa sempre a pretensioso. Mas na verdade não existe outra forma de o colocar. É um filme inteligentemente escrito, que nos leva a sentirmo-nos menos sozinhos no mundo. Afinal não estou assim tão desalinhado, non é vero Michelangelo?


Golpes Altos: As personagens, os diálogos, a realização - A REALIZAÇÃO!!! - a cinematografia, a edição, a banda sonora... oh well... ah e a cena final... que cena final!

Golpes Baixos: Errr...

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Golpes de Génio - La Dolce Vita


Realização: Frederico Fellini
Argumento: Frederico Fellini
Elenco: Marcello Mastroianni, Anita Ekberg e Anouk Aimée

La Dolce Vita é a obra mais importante de um dos realizadores mais importantes, e só isso já é suficiente para lhe chamar um Golpe de Génio. Tecnicismos à parte este foi, é, e creio que será sempre o filme mais importante da minha vida. Por isso perdoem-me alguma atrapalhação introdutória - é dos nervos.

O filme começa com a estátua de Cristo a sobrevoar a cidade, preso a um helicóptero. O espectador desprevenido poderá ser levado a pensar que Fellini pretende abençoar Roma - não se engane. O começo do filme, tal como o seu título, não podiam ser mais irónicos.
Dentro do helicóptero está Marcello, um colunista cor-de-rosa cuja rotina se divide entre as festas das estrelas e as relações fugazes e vazias. Marcello é interpretado por Marcello Mastroianni, e os dois misturam-se tanto que nem o nome muda.

Mastroianni sempre foi um actor passivo e, neste filme, isso faz sentido. A viagem do personagem é a  viagem do espectador. Este deixa-se guiar  pelo mundo do espectáculo, do estrelato, das festas que nunca acabam e das relações que nunca começam - mas a sua mensagem é muito mais abrangente. Marcello é um homem triste, desesperado por fazer algo mais com a sua vida - fala-se num livro que está a escrever mas que nunca acaba -, persegue as mulheres que não pode ter, afasta as mulheres que tem e, involuntariamente, conduz a sua vida numa espiral decadente, triste e resignada cuja única saída seria um regresso ao passado - à inocência. Mas já lá vamos.

O personagem adjuvante, herói de Marcello e seu único verdadeiro amigo é Steiner. Steiner é um homem culto, realizado, com uma família que ama e uma vida aparentemente perfeita. Os serões serenos que Marcello passa em sua casa contrastam com as noites loucas da dolce vita. Fellini mostra-nos que ainda existe esperança para Marcello, e Marcello sente que pode vir a ser igual a Steiner, que a sua vida ainda não está totalmente perdida... Mas isto não é uma canção de amor. Steiner acaba por tirar a sua própria vida e dos seus filhos ainda nos berços.
Quando questionado pela polícia sobre o motivo do crime, Marcello responde "Ele tinha medo, suponho...".

Com a morte de Steiner, morre também a esperança de Marcello e, no fim, é essa a mensagem de Fellini - resignação. A doce vida é tão amarga, que é impossível fugir dela. Quando Marcello, na sua última tentativa de isolamento, recolhe a uma vila pacata para poder acabar o seu livro, conhece uma rapariga inocente que personifica a pureza da infância, do campo, da vida simples. Apesar dessa cena ser das mais curtas do filme, não estranhamos quando voltamos a ver a mesma rapariga no fim - numa última oportunidade para Marcello ser feliz.

O filme acaba com uma cena simétrica à de abertura. Se no princípio nos mostram um falso Cristo a sobrevoar Roma, no final vimos Marcello a chegar à praia, embriagado, com um grupo de gente do mundo do espectáculo, para verem um peixe morto que deu à costa. O peixe é Cristo - desta vez real e  de olhos abertos - "Está morto. Para que olha ele?". Marcello abandona o peixe e vê que alguém o chama do outro lado da praia. É a rapariga. Chama-o, faz sinais, mas o barulho das ondas do mar não o deixam perceber - "Non si sente... non si sente". Marcello ajoelha-se na areia da praia, olha a rapariga uma vez mais, encolhe os ombros, e baixa os braços - prostrado.
Nunca mais me vou esquecer do último olhar da rapariga antes de ele virar as costas - é um olhar triste, mas quente, de pena e de amor. Marcello é um homem bom mas nunca conseguiu ser um bom homem. O sonho da doce vida, das festas intermináveis e das relações fugazes destruiu-o e, no final, volta derrotado.

La Dolce Vita não é um filme para adolescentes. Quando se é adolescente não se entende os malefícios das más escolhas, das vidas voláteis e das relações descomprometidas. La Dolce Vita é para quem já a viveu mas conseguiu fugir dela - ou para quem, como Marcello, continua na festa da praia, a olhar o monstro, à espera de ouvir a rapariga gritar o seu nome.


Golpes Altos: Tudo. É o filme perfeito e o  melhor filme de sempre.
Golpes Baixos: Nada. Não mudava nada.