Argumento: Michael Haneke
Elenco: Jean-Louis Trintignant e Emanuelle Riva
Esqueçam tudo o que sabem sobre o amor, sobre a vida, sobre a velhice e, já agora, sobre o cinema. Este filme vai provar-vos errados, ou pelo menos abrir-vos os olhos a uma realidade um bocado mais crua do que a que estão habituados.
Os anos passam, e nós vamos vendo cinema - uns melhores, outros piores e, de vez em quando, surge um que nos faz crescer como pessoa, perceber coisas que não tínhamos ainda percebido, que nos envelhece a alma e nos prepara para o que está para vir.
No novo filme de Michael Haneke, este mostra-nos uma violência demasiado real para um realizador que nunca foi brando, sempre conhecido por pôr o dedo nas feridas e mostrá-las ao público. E a verdade é que, em Amour, encontrou provavelmente a obra da sua vida, e indiscutivelmente o melhor filme do ano.
Não é um filme fácil, e desaconselho pessoas de maior susceptibilidade emocional a aventurarem-se nesta história. O filme é protagonizado por dois gigantes do cinema francês - Jean-Louis Trintignant era um preferido de realizadores como Claude Lelouche e Costa-Gavras, enquanto Emanuelle Riva ficou conhecida pela sua participação na trilogia de cores de Kieslowski e no clássico Hiroshima Mon Amour.
Aqui, eles são Georges e Anne - um casal idoso, ambos reformados do mundo da música clássica, que partilham uma vida e um casamento num apartamento de Paris. A sua relação perturbou-me, e demorei tempo a habituar o meu estômago ao que os meus olhos estavam a ver. Depois percebi porquê. Porque o amor deles não é um amor doentio, não é um amor possessivo, não é um amor esgotado, podre, apaixonado - é um amor verdadeiro. Um amor de quem o mereceu. E é isso que sentimos na relação dos dois, que nem à própria filha permite interferência. Mereceram o seu lugar no mundo juntos, e perceberam que só se têm um ao outro.
Mas tudo isto é contado em retrospectiva. O filme começa com o apartamento fechado, vazio, abandonado. Com um grupo de bombeiros a derrubarem a porta para encontrarem Anne deitada cuidadosamente, entre ramos de flores, numa cama amortalhada com carinho. Percebemos que o cadáver já lá está há algum tempo e que quem o deixou, deixou-o para ninguém mais lhe tocar.
É difícil falar sobre filmes que são muito maiores que nós. Nestes casos, é preferível tentar explicar o que eles nos ensinaram, e adoptar uma postura humilde. A mim este filme mostrou-me o que é amar e afinal não é como nos filmes.
O Amor de Haneke não é para meninos. Mas também não é para velhinhos. A bem dizer, custa-me aconselhar um filme que nos obriga a saltar anos de existência para ver aquilo que vamos ser quando envelhecermos. E não é tudo bonito e tranquilo. É também feio, bruto e crú - mas assim são as relações.
E quando, no fim, os bombeiros me vierem buscar, só espero ter alguém que me prepare com o mesmo cuidado e com o mesmo amor.
PS - Golpes Altos e Baixos não se aplicam a este filme, ou pelo menos não vou ser eu a dizê-los.
Ouch...
ResponderEliminarPessoalmente, e porque senti praticamente o mesmo quando vi Amour, é o melhor texto que já li neste recém-nascido blog.
ResponderEliminarO que mais se retira de Amour é a pureza dum sentimento que se conquista e merece com o passar dos anos numa vida a dois. É a dedicação, a incondicionalidade, a raiva com que se trata, protege e defende a nossa pessoa. É bruto, seco, amargo até. Mas é puro, real e em última instância idílico.
E do ponto de vista técnico é uma lição de cinema. O espaço, os planos sobre o mesmo e sobre os movimentos regra geral vagarosos dos dois monstros que ocupam o ecrã (comunhão total entre realizador e actores), as sequências de diálogo e silêncios, a ausência de banda sonora a tornar tudo ainda mais hermético e sufocante - o fascínio do cinema reside também nas antíteses grosseiras, no que é paradoxal ao limite de filme para filme, e é uma delícia ver por um lado o papel fulcral, insubstituível que a banda-sonora ocupa no Django Unchained de Tarantino e simultaneamente como o vazio sonoro de Haneke neste Amour pode ser perfeito.
A todos os níveis magistral. É um Haneke com assinatura, basta os primeiros 10/15 minutos de película para perceber isso; mas é muito provavelmente, e como já foi dito, a obra-prima do austríaco.
P.S. - Riva tem um desempenho poderoso, sobretudo na segunda metade do filme, quando tudo se torna mais físico. E o que ela arranca da personagem sendo uma octogenária é soberbo.
Mas Trintignant é, numa opinião muitíssimo pessoal e refutável, o dono do filme. Passaram horas até que conseguisse parar de falar dele quando saí da sala. Um monumento à interpretação. O facto de não estar entre os nomeados para Melhor Actor junto a Day-Lewis e Phoenix, evidenciando apenas os favoritos, diz muito sobre no que se tornaram os Óscares.
Obrigado pela parte que me toca, e concordo a 100% com tudo, especialmente com a questão dos Óscares. Mas quando põem o Silver Linings para melhor filme, eu até perco a vontade de criticar as outras falhas das nomeações... Para mim tá montada a palhaçada! Já viste o Un Homme et une Femme com o Trintignant? Se não, saca! É o melhor do Lelouch!
ResponderEliminarQueria testemunhar a minha concordância com o comentário de JPFerreira ao considerar este post como o melhor do blog até ao momento (JPFerreira, permita-me, a propósito, que elogie as qualidades da sua prosa, que revela um carácter de inteligência e sensibilidade, bem como um conhecimento sólido acerca do que escreve).
ResponderEliminarBuddy, o mesmo se aplica ao artigo. No fundo escreves que este filme foi para ti mais do que um filme. Para mim também. É um clássico do cinema e da arte.
E nesta nota mais alegre nos despedimos. Dizem que o silêncio é o último refúgio da liberdade, mas eu acho apenas que é uma forma diferente de eloquência...
Continuação de boas golpadas!
Ghost Master muito obrigado pela aprovação! Quanto ao silêncio concordo contigo, mas porquê a despedida?
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ResponderEliminarNão vi, mas com certeza vou sacar.
ResponderEliminarUm dia escrevi: O amor é também a capacidade abnegar, de renunciar, de libertar quem nos tem cativo. Nunca esta frase me fez tanto sentido como nos momentos finais deste filme. Quero ser amada assim, nem que seja apenas no ultimo dia da minha vida.
ResponderEliminarExcelente crítica budddy.
(E agora o comentário parvo. Com o Christian no header da vontade de vir cá mais amúde.)
Acabei agora de ver. Foram as duas horas de filme mais difíceis da minha vida. O filme é intenso, como tu dizes, violento, mas com um toque de ternura inabalável. Filme gigante!
ResponderEliminarDestruidor.
ResponderEliminarO que mais gostei foi dela o ter vindo "buscar" e do facto de, quando ele a ajudava, estavam sempre abraçados...
Enfim, não há muito a dizer mas sim a desejar.
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