quinta-feira, 20 de junho de 2013

Retrospectivas - James Gandolfini


Um homem entra num gabinete psiquiátrico. Olha com desconfiança para um quadro impressionista - 'Have you been feeling depressed?' - A respiração nasal, os olhos tristes - 'Since the ducks left, I guess'. Ontem morreu James Gandolfini. Um ataque cardíaco, aos 51 anos de idade, pôs termo a uma carreira marcada pelo contraste entre o homem forte e melancólico. Ontem morreu Tony Soprano, e eu sinto que perdi um amigo.

Mentes mais pragmáticas poderão atribuir este sentimento à duração de uma série, ao facto de nos acompanhar durante tantos anos de vida. De partilharmos as intimidades dos personagens, de os convidarmos à nossa casa, contarmos com eles. A verdade é que nunca senti isto com nenhuma personagem - e o mérito é dele. Quem o conheceu, soube-o capaz de transcender a personagem de Tony. O criador da série, David Chase, afirmava que o poder de Gandolfini estava nos seus olhos - 'I often told him he was a genious, like Mozart. There was always silence on the other side of the line'. O que Chase conseguiu a meias com Gandolfini, foi criar a personagem mais icónica da história do cinema. São raros os exemplos de série que eu elevo à categoria de cinema, mas esta é uma delas. Creio que o trabalho feito em Sopranos transcende o poder que uma obra de 120 minutos pode ter no espectador, por mais brilhante que seja. Por isso, a imagem deixada por Gandolfini jamais se descolará do seu homólogo mafioso. Não quero saber nada sobre a vida do actor, não me interessa. Para mim, será sempre o sociopata que preferia animais a pessoas, que acreditava que a depressão lhe corria nos genes, que estava destinado à desgraça - 'Lately I've been having the feeling that the best has already past. That I came in at the end'.

Para mim, Tony Soprano ensinou-me a ser um homem. Foi um pai, um irmão, um amigo. Retiramos lições de tudo aquilo que vimos, de todos aqueles que conhecemos. Porque não da arte? Alguém me disse hoje que, ao ouvir a notícia, a primeira sensação que teve foi a de estar a viver uma má versão da vida e que, em algum lugar, Gandolfini ainda está vivo. Penso que parte da magia é precisamente essa. Que algures, noutro universo, existe um lugar onde Tony sobrevive a si próprio, imortalizado como pai de família por um ataque de raiva, um suspiro triste e um tabuleiro de cannolis.

8 comentários:

  1. Foi uma triste notícia e uma grande perda... :(

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  2. Se a série foi brilhante e com uma escrita fora de série, muito se deve em parte ao toque que o Gandolfini lhe deu. Que me lembre, foi a primeira série de sucesso mundial centrada num vilão que era efectivamente mau mas, acima disso, era humano como todos nós.

    Foi-se o James, Tony vive para sempre.

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  3. "Penso que parte da magia é precisamente essa. Que algures, noutro universo, existe um lugar onde Tony sobrevive a si próprio, imortalizado como pai de família por um ataque de raiva, um suspiro triste e um tabuleiro de cannolis."

    Claro que existe, no celulóide nunca ninguém verdadeiramente morre.

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  4. Revejo-me nas suas palavras, senti o mesmo.
    Um bom fim de semana

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  5. Longa vida ao Rei!

    Quanto a essa questão de Tony ser efectivamente mau... ficou provado que era um sociopata, mas "mau" é um adjectivo que sempre evitei utilizar para o descrever. O verdadeiro vilão era a mãe!

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    1. Creio que não há problema em defini-lo como "vilão" ou "homem mau". Não lhe tira a grandiosidade de um personagem que é efectivamente um sociopata mas, ainda assim, tem muitos pontos/falhas com que nos identificamos.

      A mãe era um sonho psicanalítico :)

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  6. Apetece "brindar-lhe" com um canolli! (e a ti também por dizeres tão bem o que eu também sinto - excepto a parte de ensinar a ser um homem!)

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  7. Mas aposto que ensinou "o que é um homem". Seja qual for o ângulo, a lição é sempre útil :P

    Mak: Mesmo! De longe a melhor personagem de Sopranos! Tinha pesadelos com ela...

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