Argumento: Wes Anderson e Noah Baumbach (baseado na obra de Roald Dahl)
Elenco: George Clooney, Meryl Streep, Bill Murray, Jason Schwartzman e Owen Wilson
Há uma fábula antiga acerca de um escorpião que quer atravessar um rio e de uma rã a quem pede ajuda. Suponho que já a tenham ouvido. A rã começa por negar, afirmando que o escorpião a vai picar. O escorpião constrói um argumento sólido e explica que, caso o faça, também ele morrerá afogado. A rã pensa um pouco, e acaba por aceitar transportá-lo para a outra margem. A meio do caminho, o escorpião pica-a e a rã, afogando-se em veneno, pergunta-lhe confusa 'Porque é que me picaste? Vamos morrer os dois...', ao que o escorpião responde num silvo triste 'Eu sei... mas é a minha natureza'.
Fantastic Mr. Fox é uma obra rara. É um filme de animação, em stop motion, maravilhosamente divertido e assustadoramente existencialista. É um filme cuja profundidade vai espreitando por entre diálogos de uma intensidade perturbadora e que aborda o tema mais trágico da natureza humana (e animal) - a sua inevitabilidade. Fox promete à sua mulher grávida que nunca mais lhe mente, nunca mais a engana, nunca mais rouba galinhas, patos, gansos ou qualquer outro tipo de ave. Promete-lhe que está pronto para assentar. Ser pai. Ser marido. Fox promete à mulher que vai deixar de ser ele mesmo.
Este é um filme sobre um animal selvagem que tenta deixar de o ser. Tenta humanizar-se, criar responsabilidades. É isso que é pedido de todos nós, certo? Que assentemos, criemos raízes, ganhemos responsabilidades e deixemos de agir por impulso, por instinto - por natureza. Os problemas de Mr Fox não serão compartilhados por toda a gente. Há vários tipos de pessoas no mundo, e nem todas têm uma natureza desviante. Essas não vão compreender a tragédia do filme, não vão aguentar as lágrimas no silêncio que se faz quando a Sra Fox lhe pergunta porque é que mentiu e ele - apercebendo-se nesse preciso momento da inevitabilidade da sua própria natureza - lhe responde: 'because I'm a wild animal'.
É difícil falar sobre um filme que aparenta ser tão divertido e simples mas está recheado de sabedoria, de tristeza e de sensibilidade. A viagem que Fox empreende vai fazê-lo aceitar-se como é, mostrar-se como é, e conhecer também a natureza dos que o rodeiam. Por baixo dos fatos de advogado, das paisagens impressionistas, dos pais de família, dos canalizadores, cozinheiros, professores... estão animais selvagens. Animais selvagens que, em último caso, podem contar apenas com o seu instinto para fazerem o que os animais selvagens acima de tudo fazem - sobreviver. E Mr. Fox lembra-os disso. Lembra-os que o seu nome em latim os remete para um estado mais primitivo da evolução. Lembra-os de quem são.
E, ultimamente, é apenas quando aceitamos quem somos - as nossas forças e as nossas fraquezas, o que somos e o que gostaríamos de ser - que perdemos o medo e começamos a ser felizes. Fox confronta a sua fobia de lobos quando, no final, tem um encontro com um. Esta é uma cena maravilhosa, intensa, de uma beleza demasiado estranha para ser explicada. Quando Fox se aceita como um animal selvagem, aceita também os outros. O rato vilão que sonhava com cidra, o lobo que fecha a mão e a levanta, como que dizendo 'somos o mesmo, eu e tu'.
Somos estranhos, todos nós. Vivemos segundo as nossas próprias excentricidades e, enquanto uns limitam a sua natureza para que possam viver em sociedade, outros abraçam-na e confiam que, um dia, a sorte vai permitir-lhes serem felizes com as armas que têm. Este filme lembra-nos que é pela nossa estranha natureza que somos quote/unquote... fantásticos.
Golpes Altos: Wes Anderson.
Golpes Baixos: Pior cartaz, pior campanha de marketing de sempre. Mascaram uma obra-prima do cinema de um filme para a família.
Acho que este é o melhor post que já li neste blog. Concordo em absoluto com tudo o que está escrito, e partilho a paixão por este filme desde o dia em que decidi dar-lhe uma hipótese, sem fazer ideia nenhuma ao que ia. Para mim, é o melhor filme do Wes Anderson.
ResponderEliminarPara mim é o Life Aquatic, acho. Mas nunca tenho bem a certeza... Sempre que vejo um filme do Wes fico com a sensação que é esse o melhor (com excepção do Moonrise, que é claramente inferior aos outros).
EliminarKATA TON DAYMONA EAYTOY
ResponderEliminarSubscrevo o comentário da Márcia, apesar de já ter lido grandes posts nesta casa.
Do What Thou Whilt?
EliminarÉ tão difícil ser ganso num mundo de lobos, como lobo num mundo de supostos gansos.
ResponderEliminar(by the way, que raio de votação para melhor actor de comédia é esta? Ben Stiller, Jack Black e Adam Sandler?! Vou só ali cortar os pulsos mais longe, para não te sujar o estaminé! :D)
Odeio o Ben Stiller e o Jack Black, mas tem que haver opções para todos os gostos :P Quanto ao Adam Sandler... adivinha quem votou nele? :P
ResponderEliminarFaço minhas as palavras da Márcia e do tal de Master Renascido, embora quanto a este último me veja forçado a atirar-lhe à cara a alínea a) do artigo trezentos e cinquenta e oito do Código Penal português - um instrumento de trabalho que utilizo, tipo, na firma onde desenvolvo a minha actividade profissional -, nos termos do qual:
ResponderEliminarQuem, sem para tal estar autorizado, exercer funções ou praticar actos próprios ou vagamente confundíveis com os de Master Óscar Pilantra, arrogando-se, expressa ou tacitamente, essa qualidade, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
E não serei apenas eu o usurpado, já que a criatura em causa faz-se igualmente passar, tipo, por aquele bacano bué conhecido da música de ópera que era, tipo, misógino e ficou surdo.
Portanto, e para fim de conversa, o soi-disant "Master Renascido" que se acalme ou é denunciado ao MP como se de um pobre Relvas (ou Rilvas) se tratasse.
Quanto ao mais, e justificando o ponto de vista, tipo, que venho aqui partilhar com o Mundo, acho que este é um belíssimo naco de prosa cinéfila com todos os ingredientes que nos fazem amar essa expressão de arte e tudo o que gira à sua volta: erudição, humanidade, sensibilidade, paixão e um confessado sentimento de gratidão. Estimado buddy, traçando analogias, este texto é uma terna "Letter to Elia" dedicada ao Wes Anderson.
Deixo, para finalizar, uma nota de pesar "derivado de" este filme só ter chegado a meia dúzia de salas de cinema. Em todo o caso, este filme já estava na minha lista para ver e agora vou ver de certeza. :)
Master Óscar Pilantra 2012,
ResponderEliminarReconheço inapelavelmente o desvalor da minha conduta, não me atrevendo sequer a alegar desconhecimento do supracitado preceito legal (visivelmente redigido de acordo com as mais elementares fórmulas da justiça e do progresso!)
Destaco, em vez disso, o teor substantivo do artigo, cuja lógica implícita é a da autoridade da opinião de Master Óscar Pilantra (venerável e honroso título, atribuído em virtude de arrebatador triunfo nas apostas para os Óscares de 2012). Numa palavra: ao vencedor, as batatas!!!
Prometo doravante não mais contribuir com opiniões que possam beliscar o prestígio de MOP por usurpação involuntária, pelo que me passarei a dedicar activamente, no isolamento do cárcere ou no turbilhão das dívidas, à expressão das opiniões mais estapafúrdias e inconfundíveis (tarefa penosa e alheia à minha natureza).
Ou então vou-me dedicar à Ópera... mas numa firma de surdos misóginos, precavendo já, desse modo, os benefícios de uma processo de difamação colectiva!
Buddy,
Quanto às minha expedições furtivas pelas subtilezas da cultura clássica, anuncio desde já a renúncia a matérias de tão poderosa fecundidade interpretativa, derivado a) não perceber nada do assunto e b)das confusões geradas pelas traduções disponíveis na net de quem percebe ainda menos:
- KATA TON DAIMONA EAYTOY significa (ou penso que significa) "De acordo com o seu destino", embora, aparentemente também possa ler-se como "Contra o demónio interior" ou "Faz o que te dá na real gana!". É a inscrição do túmulo do Jim Morrisson, lá colocado como homenagem pela irmã, expressamente no primeiro dos sentidos referidos.
Pergunto-me se não será também o Mr. Fox, essa "wild creature" alegre e benigna, um servo do seu DAIMONA, uma escravo do seu destino...
"Pascal, Mr. Fox, topas?" - JJ
Ainda o grego:
ResponderEliminarA melhor tradução que li em inglês (e é esta que mais fielmente reproduz o sentido da homenagem) é "Against the devil within"
(E já vão vários processos por difamação: o JJ comigo vai recuperar todo o seu pecúlio desbaratado!!!)
Master Óscar Pilantra, muito obrigado por, tipo, me apoiares e essas cenas.
ResponderEliminarHoje é um dia de luto. As forças do mal venceram o País. Vermes de becas, togas, capas e penteados pomposos condenaram Portugal à saída da moeda única, à bancarrota, ou a um maior - e tão desejado por todos nós - aumento de impostos. Dito isto, quero é que este País, tipo, se foda e arda lentamente nos 9 círculos do inferno constitucional (que, tipo, basicamente é o inferno, mas mais nojento).
Master Renascido, realmente um gajo não pode confiar nas traduções do google. Assim faz mais sentido. Gosto da versão "contra o demónio interior". É mais poética. O Jorge Jasus 'tá muta órgalhoso.
Muito bom filme ;)
ResponderEliminarGostei bastante do filme, embora não o considere uma obra-prima. Gostei da estética, do conteúdo e do exagero, que o aligeira para passar a sua mensagem tal como deveria ser passada. Esse tom jocoso confere-lhe o estatuto de filme para toda a família (eu punha um filho meu a ver o filme), o problema aqui é o Wes. O Wes é demasiado ideossincrático para fazer uma obra-prima acessível a todos. Tentou, mas alongou-se em demasia e isso acaba por retirar impacto ao filme.
ResponderEliminarÉ uma opinião. Não quero com isto mandar abaixo um dos mais singulares filmes de animação que já vi.
Percebo o que queres dizer, mas discordo na medida em que não considero uma 'obra-prima acessível a todos', mas simplesmente uma obra-prima. Até poderia pôr um filho meu a ver o filme, mas ele nunca iria compreender a sua profundidade. O bom do Wes, seja neste filme ou noutro qualquer, é que todos podem gostar dos seus filmes, mas nem todos os percebem. Conheço muito boa gente que adora o Darjeeling, porque é divertido, boa banda-sonora, bons personagens, mas não compreendem o dramatismo traumático de certas cenas. Enfim, sou suspeito porque ninguém fala comigo como o Wes fala.
EliminarAssumidamente parcial ;) Os meus melhores filmes foram aqueles que vi em míudo e mais tarde consegui retirar o seu significado. Um deles foi o Full Metal Jacket, na altura achei mesmo piada ao Pyle (mas tinha a sensação que estava ali qualquer coisa muito boa); anos mais tarde acho-o dos melhores do Kubrick. Eu também gosto do Wes (e do Darjeeling), mas ainda acho que pode dar o salto... parece que falta sempre qualquer coisa (e não me refiro ao facto de ser anti-climático.
EliminarNunca tinha visto, não sei porque é que nunca tinha visto... mas é simplesmente incrível o filme... Amei e ficou para a história.
ResponderEliminarAlém disso, esta é capaz de ser a "review" mais esclarecedora que aqui escreveste. Não tão emocional como a do "Amour" mas a que mais gostei de ler e mais me identifiquei.
Muito bom isto tudo, obrigado pela dica que este já me ia escapar...
PS: até me desta vontade de acalmar a minha vida e escrever com mais frequência, ou seja, ser um bocado mais feliz do que sou :)
Eu sabia que ias adorar. É realmente uma coisa rara. Obrigado pela parte que me toca, e toca a acalmar e escrever mais. Casa nova, vida nova. Certo? ;)
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