Argumento: Paul Osborn
Elenco: Montgomery Clift e Lee Remick
Há uma certa justiça poética no curso de um rio. Separa vidas, segue caminhos, deixa que a natureza corra pelo meio da civilização como uma última palavra de Deus sobre o destino da humanidade. Com a evolução, o Homem aprendeu a amansar a força dos rios, a criar barragens para os controlar - mas há algo de pouco natural na contenção de um rio, como se estivéssemos a impedir a natureza de fazer o seu trabalho.
Poucos realizadores sobreviveram à passagem do filme a preto e branco para o filme a cores. Ainda menos foram bem sucedidos nos dois campos. Elia Kazan é um dos maiores nomes do cinema mundial e certamente um dos seus grandes peregrinos. Kazan reinventou o cinema, reinventou os actores, os diálogos, os planos e os temas. Antes de Kazan, as histórias de amor dos anos 50 de Hollywood eram secas, pouco profundas, pouco reais. As relações de Kazan mostraram-nos as imperfeições do amor, as falhas humanas, os desejos ardentes e o seu inevitável fim.
Em Wild River, Kazan conseguiu conciliar dois temas na mesma obra, deixando-nos divididos sobre qual o mais importante. Wild River é um filme sobre a destruição causada pelo Tennessee River na década de '20, e os esforços do Governo para o controlar, comprando as terras à sua volta para que se pudesse construir uma barragem. Este é o contributo político e histórico do filme, mas a mensagem ultrapassa-o. Montgomery Clift é o homem enviado pelo Estado para comprar a última parcela de terra restante, um pequeno ilhéu no meio do rio, cuja dona recusa a abandonar. A dona é uma velhinha que começamos por odiar, por considerar um entrave à evolução - à civilização. Mas mais tarde compreendemos que é mais que isso. O que a velhinha acredita, é que o que é selvagem assim deve permanecer, e as vidas que a natureza tira, à natureza pertencem. Prefere arriscar a sua sorte, mas manter a sua dignidade. 'I like wild things Mr. Glover. God intended them that way'.
Mr. Glover (Montgomery Clift) respeita e admira a velhinha, apaixona-se pela sua neta (Lee Remick), e o resto da história é uma fogosa e doentia paixão que consome os dois personagens, e que vimos desvendar-se em frente dos nossos olhos pela força de diálogos reais, diálogos credíveis, de pessoas complexas, pessoas perturbadas - pessoas. O trabalho de argumento é notável, mas é a técnica trazida por Kazan - o Method Acting - que torna as situações tão imperfeitas, tão sinceras.
Wild River é um filme sobre imperfeições. Sobre o equilíbrio que delas advém, sobre a justiça que praticam. Lutar contra a força de um rio é tão inútil como a luta contra a evolução do Homem. E o amor corre selvagem, sem que se compreenda o que o pára ou o que o motiva, confiando que o que tiver que ser, naturalmente, será.
Golpes Altos: O cinema que imita a vida, sem estereótipos nem adornos. Trabalho de um grande mestre do cinema. Mallick veio aqui beber, e muito.
Golpes Baixos: Vou deixar de fazer Golpes Baixos em Golpes de Génio...
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ResponderEliminarVoltando aquela conversa doutro dia do "Olimpo dos realizadores"...e Kazan, onde está? O teu segundo parágrafo é brilhante, Buddy.
ResponderEliminarP.S. - Promised Land, Van Sant, 2012. Wild River, Kazan, 1960. Nunca tinha pensado sobre isso mas é curiosa a similitude temática e de alguns pormenores.
O Mr. Glover é precisamente o mesmo tipo de personagem do Matt Damon do Van Sant. As semelhanças estão lá, não há dúvida. Mas, ao contrário do Kazan, o Van Sant foca-se mais na abordagem política que pessoal. Começam na mesma premissa, e cada um se foca num vértice diferente.
EliminarPS - Obrigado! Admito que fiquei orgulhoso dele! (do parágrafo)
Está tudo dito! Grande texto, mais uma vez!
ResponderEliminarNuno Rechena