Realização: Ingmar Bergman
Argumento: Ingmar Bergman
Elenco: Victor Sjöström, Bibi Andersson e Ingrid Thulin
De todas as falhas e virtudes do Cristianismo, uma permanecerá para sempre ligada ao lado mais triste do coração humano - a redenção. Até o mais agnóstico dos cientistas, no seu leito de morte, esperaria em silêncio por uma palavra de perdão, por uma luz divina que o lavasse de todos os seus pecados. Não vale a pena negar, é apenas humano.
Ingmar Bergman é provavelmente um dos três cineastas mais importantes de sempre. Realizou mais de 60 filmes ao longo de mais de 60 anos. Nenhum realizador abordou a morte, a fé e a redenção como Bergman - e ninguém tentou depois disso. Morangos Silvestres é um filme de final de vida, uma espécie de Christmas Carol, em que Scrudge é Dr. Borg - um médico que vai numa viagem de carro pelos campos suecos, na companhia da sua cunhada e de três adolescentes que encontra pelo caminho. Em certa medida, é o primeiro Road Movie da história do cinema, mas esse género só seria oficializado 10 anos mais tarde e no continente do lado.
A viagem empreendida pelo médico eleva-se da estrada para um patamar etéreo, no qual revisita os fantasmas da sua juventude - a namorada que o trocou pelo seu irmão, a mãe fria e castradora, o seu casamento falhado, a sua vida desperdiçada. Os Morangos Silvestres de Bergman simbolizam a sua origem, a sua natureza, as suas raízes. Borg apercebe-se ao longo do filme que se tornou algo que não queria. Apesar do trabalho que deixou como médico ter criado a fama de um homem caridoso, as pessoas que lhe são mais próximas acusam-no de frieza, de cinismo e de distância - e, nesta viagem, o velho doutor vê-se ao espelho, vê de onde veio e vê aquilo que isso lhe custou.
Uma das conclusões de Borg - e talvez a mais crítica - foi uma a qual eu próprio já cheguei e aprendi a aceitar. A inevitabilidade do nosso código genético, a sinistra certeza de que os erros dos filhos já foram os erros dos pais. Borg percebe que falhou onde a sua mãe falhou mas, pior que isso, criou um filho que é uma versão piorada de si. A sua visão cínica e derrotista da vida, o seu pessimismo e fatalismo presentes em cada frase originaram um filho incapaz sequer de ter uma relação - que vê o mundo como um lugar horrendo e a morte como o tão merecido descanso.
Esta é uma das obras mais importantes do século XX, e certamente o meu "Bergman" preferido. Porque, por incrível que pareça, todos nos identificamos com um personagem de 80 anos, todos vimos os mesmos erros cometidos, e é-nos dada a oportunidade de, enquanto somos novos, dar um rumo diferente à nossa vida e à nossa personalidade para que não acabemos como Borg, um velho amargurado à espera de morrer como viveu - sozinho. Mas, curiosamente, este não é um filme pessimista (e certamente não será um filme triste, se o compararmos aos restantes do realizador). É um filme com sentido de humor e que, no final, nos oferece uma cena de beleza rara - de redenção, de luz branca a reflectir na cara de Borg e do seu último e mais belo sorriso. Se não conseguirmos fugir aos fantasmas do nosso código genético, esperemos que a redenção nos chegue como chegou ao médico para que, no minuto final, possamos sorrir como ele sorriu.
Golpes Altos: Como é que é possível alguém nos anos 50 ter esta noção moderna de realização? É incrível! O actor principal, Victor Sjostrom, foi o realizador mais importante do cinema mudo Sueco, e um dos heróis de Bergman - foi essencial para a construção de um personagem que é metade Bergman, metade Sjostrom.
Golpes Baixos: Não há nada a apontar que faça sentido num filme destes. Provavelmente estará nos 10 melhores filmes de sempre. Existem coisas que hoje poderiam ser feitas melhor mas, curiosamente, ninguém as faz.
Argumento: Ingmar Bergman
Elenco: Victor Sjöström, Bibi Andersson e Ingrid Thulin
De todas as falhas e virtudes do Cristianismo, uma permanecerá para sempre ligada ao lado mais triste do coração humano - a redenção. Até o mais agnóstico dos cientistas, no seu leito de morte, esperaria em silêncio por uma palavra de perdão, por uma luz divina que o lavasse de todos os seus pecados. Não vale a pena negar, é apenas humano.
Ingmar Bergman é provavelmente um dos três cineastas mais importantes de sempre. Realizou mais de 60 filmes ao longo de mais de 60 anos. Nenhum realizador abordou a morte, a fé e a redenção como Bergman - e ninguém tentou depois disso. Morangos Silvestres é um filme de final de vida, uma espécie de Christmas Carol, em que Scrudge é Dr. Borg - um médico que vai numa viagem de carro pelos campos suecos, na companhia da sua cunhada e de três adolescentes que encontra pelo caminho. Em certa medida, é o primeiro Road Movie da história do cinema, mas esse género só seria oficializado 10 anos mais tarde e no continente do lado.
A viagem empreendida pelo médico eleva-se da estrada para um patamar etéreo, no qual revisita os fantasmas da sua juventude - a namorada que o trocou pelo seu irmão, a mãe fria e castradora, o seu casamento falhado, a sua vida desperdiçada. Os Morangos Silvestres de Bergman simbolizam a sua origem, a sua natureza, as suas raízes. Borg apercebe-se ao longo do filme que se tornou algo que não queria. Apesar do trabalho que deixou como médico ter criado a fama de um homem caridoso, as pessoas que lhe são mais próximas acusam-no de frieza, de cinismo e de distância - e, nesta viagem, o velho doutor vê-se ao espelho, vê de onde veio e vê aquilo que isso lhe custou.
Uma das conclusões de Borg - e talvez a mais crítica - foi uma a qual eu próprio já cheguei e aprendi a aceitar. A inevitabilidade do nosso código genético, a sinistra certeza de que os erros dos filhos já foram os erros dos pais. Borg percebe que falhou onde a sua mãe falhou mas, pior que isso, criou um filho que é uma versão piorada de si. A sua visão cínica e derrotista da vida, o seu pessimismo e fatalismo presentes em cada frase originaram um filho incapaz sequer de ter uma relação - que vê o mundo como um lugar horrendo e a morte como o tão merecido descanso.
Esta é uma das obras mais importantes do século XX, e certamente o meu "Bergman" preferido. Porque, por incrível que pareça, todos nos identificamos com um personagem de 80 anos, todos vimos os mesmos erros cometidos, e é-nos dada a oportunidade de, enquanto somos novos, dar um rumo diferente à nossa vida e à nossa personalidade para que não acabemos como Borg, um velho amargurado à espera de morrer como viveu - sozinho. Mas, curiosamente, este não é um filme pessimista (e certamente não será um filme triste, se o compararmos aos restantes do realizador). É um filme com sentido de humor e que, no final, nos oferece uma cena de beleza rara - de redenção, de luz branca a reflectir na cara de Borg e do seu último e mais belo sorriso. Se não conseguirmos fugir aos fantasmas do nosso código genético, esperemos que a redenção nos chegue como chegou ao médico para que, no minuto final, possamos sorrir como ele sorriu.
Golpes Altos: Como é que é possível alguém nos anos 50 ter esta noção moderna de realização? É incrível! O actor principal, Victor Sjostrom, foi o realizador mais importante do cinema mudo Sueco, e um dos heróis de Bergman - foi essencial para a construção de um personagem que é metade Bergman, metade Sjostrom.
Golpes Baixos: Não há nada a apontar que faça sentido num filme destes. Provavelmente estará nos 10 melhores filmes de sempre. Existem coisas que hoje poderiam ser feitas melhor mas, curiosamente, ninguém as faz.
Avassalador! Faz crescer a alma e toca qualquer um. Bergman no seu melhor, cria uma densidade emocional na sua obra que nos remete para o inconsciente das personagens. Só assim conseguem resultar as sequências oníricas (o sonho da sua morte é brilhante). É também o meu favorito (se bem que a fonte da virgem... enfim, é contra-producente individualizar), porque tudo resulta e nos prende ao filme. Quem gosta de cinema gosta de Bergman, nem o Woody perdoou esta a Diane Keaton.
ResponderEliminarClap Clap Clap...
ResponderEliminarÉ uma maravilha este filme. Realmente o que destaco é que todos nos identificamos com o senhor de 80 anos... Parece que nos obriga a começar este exercício que ele fez mais cedo, queremos cometer menos erros e com isso viver mais e melhor...
O sonho da morte, o sonho do "tribunal" e claro...a cena do almoço de família... Estrondoso.
O Bergman é um símbolo tal nestes temas que adorava ter visto o Amour feito por ele... é um filme incrível e dos melhores da década mas... fiquei sempre a pensar como seria se fosse dele...
Os sonhos são todos incríveis, e claramente influenciaram TODAS as tentativas de sequências de sonho modernas. Mas o meu preferido é o primeiro deste filme, sem dúvida. Posso ser eu a sobre-interpretar, mas parece-me que os olhos que aparecem por baixo do relógio sem ponteiros nesse sonho, são uma referência ao Great Gatsby do Fitzgerald. Passo a explicar - parem-me se estiver a extrapolar demasiado:
ResponderEliminarNo gatsby, existem constantes referências a um cartaz com os olhos de T J Eckleburg (supostamente um qualquer anúncio para optometria). Mas estes olhos são sempre descritos num ambiente semi-onírico, e simbolizam a perda dos valores espirituais... Os olhos do sonho dos Morangos Silvestres puxaram-me imediatamente para isso, mas posso estar errado...
Que filme brilhante e maravilhoso, obrigado pela recordação Buddy.
ResponderEliminarLembro-me de vê-lo juntamente com Det sjunde inseglet (The Seventh Seal) há muitos anos, ainda um miúdo, e pensar que nunca tinha visto nada filmado ou contado assim. E mal sabia eu que dificilmente voltaria a ver.
Muito dificilmente poderá ser considerado o primeiro road movie da história do cinema. Hollywood já tinha feito umas coisas.
ResponderEliminarhttp://www.imdb.com/title/tt0025316/
Hmm... não sei se se pode considerar este um Road Movie. Estava a falar no género que foi inaugurado com o Easy Rider nos anos '60. Um Road Movie não é um filme em que pessoas andam de carro, é uma questão de estrutura...
ResponderEliminarSim, os filmes cuja acção se desenvolve durante viagens pela estrada fora e cujas personagens vão evoluindo/mudando ao longo dessas viagens foram mais tarde baptizados de road movies e surgia assim a designação de um género, mas não um género novo. O Easy Rider e o Bonnie and Clyde fizeram emergir o género e tornaram-no popular, depois desses foram feito road movies para todos os gostos. Se reparar, It Happened One Night, tem todos os ingredientes de um road movie e verá que influenciou muitíssimo o género.
ResponderEliminarAcredito que sim, e provavelmente já existiam filmes semelhantes antes do Easy Rider. E provavelmente tem razão, hão-de ter existido outros filmes mesmo antes dos Morangos Silvestres com estrutura parecida. Mas quando utilizei a expressão Road Movie estava a referir-me aos já etiquetados. It Happened One Night está na minha to-see list!
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