'nostalgia is a powerfull feeling... it can drown out everything'. - Terrence Malick
Há uns dias tive uma conversa acerca de literatura. Um amigo meu falava-me da vantagem que a literatura tinha quando comparada a outras formas de arte - 'é que a maior parte da nossa vida, sabes, passamo-la a pensar', dizia-me, 'e a literatura vê isso'. Os bons livros não se fazem de acção, fazem-se de reflexão - isso é inegável. Deixamo-nos absorver pela vida interior dos personagens, e aceitamos o exterior como pano de fundo, como uma desculpa para os conhecer. E seria de facto uma vantagem que a literatura teria para com outras formas de arte - caso Malick não existisse.
Na literatura existe uma técnica chamada stream of consciousness, na qual a acção se concentra nos pensamentos e sentimentos dos personagens, deixando por vezes que um pensamento ou uma recordação nos leve ao pensamento ou recordação de outro personagem. A forma mais fácil de perceber esta técnica narrativa, é imaginar um feixe de luz que vai atravessando vários personagens num mesmo cenário, deixando-nos entrar na sua alma e escutar o que têm para dizer. Esta técnica é associada à literatura e à psicologia mas, curiosamente, ainda ninguém parou para a pensar no cinema. Isto porque só existe um homem que a utiliza, esse homem é Terrence Malick.
Os filmes de Terrence Malick, poucos que são, dão-nos sempre uma sensação de pureza, de nostalgia, de estarmos simultaneamente dentro dos personagens, mas afastados deles, como espectadores passivos - como deuses. As suas personagens raramente são vistas a falar, mas sempre acompanhadas pelos seus pensamentos. São solitárias, são introspectivas, são pessoas que vêem um mundo diferente do nosso, percepcionam coisas diferentes das que nós percepcionamos. No seu filme de 1998 The Thin Red Line, Jim Caviezel tem uma conversa com Sean Penn, em que Penn lhe diz que 'neste mundo, um homem por si só não é nada... e não existe nenhum mundo para além deste', e o filme é precisamente centrado na personagem de Caviezel, e acompanha-o enquanto ele conhece o outro mundo - é um personagem que, no interior de uma guerra, conhece a paz, a beleza - conhece Deus. O Deus de Malick não é um Deus cristão, não é budista, não tem espaço no mundo real. O Deus de Malick é a natureza, é a criação - Malick vê o melhor e o pior das pessoas, mas escolhe sempre o lado bom.
Ao longo dos anos, a sua filmografia tem ganho outros contornos, tem-se aperfeiçoado. Em Badlands de 1973, Mallick ainda não tinha percebido quem era, ainda não tinha completado a sua evolução como pessoa mas, ainda assim, conseguiu fazer uma obra-prima extraordinária. A partir daí, foi sempre crescendo. Foi olhando a humanidade de frente, pedindo perdão a Deus pelos seus erros, ajudando-nos a caminhar melhor por um caminho mais puro, mais profundo. O que o trabalho de Malick nos dá, é uma oportunidade de compreendermos o mundo e a nossa própria vida, e fazermos as pazes com ela.
Para mim, ver os seus filmes é um processo catártico, que me deixa fechar os olhos e descansar, sabendo que existe equilíbrio num mundo desequilibrado, que existe um desígnio para cada um de nós, para a humanidade em geral. Malick relembra-me que a beleza que nos envolve não existe por acaso, e que o "outro mundo" é o mesmo que este - apenas visto com outros olhos. Do fundo do coração, obrigado.
'Where were you when I laid the foundations of the Earth, when the morning stars sang together, and all the sons of God shouted for joy?' - Job 38:4-7
Gosto do Malick, mas não me consigo obrigar a ver o tree of life...até porque esse fechar de olhos e descansar, normalmente culmina aí mesmo: a dormir. O senhor sabe o que faz e tem bons filmes, mas depois tem o Novo Mundo e o Tree of life e uma pessoa fica a modos que...aborrecida.
ResponderEliminarO Novo Mundo é talvez o menos bom dele. Quanto ao Tree of Life, entra nos meus 10 melhores filmes de sempre - atenção, não é a lista dos meus 10 filmes preferidos, é uma lista objectiva dos 10 melhores. Por isso sou suspeito, para mim é uma obra-prima de beleza rara que, ou se sente, ou não se sente.
ResponderEliminarPenso o mesmo do Tree of Life, é para ser sentido. Não vale a pena ligar ao caminho fácil das comparações com 2001 nem do aborrecimento. Cinema é arte...
EliminarNeste caso até é mais que isso. É arte, filosofia, teologia, ciência... a questão é que a Árvore da Vida de Malick é, sem dúvida nenhuma, o filme mais ambicioso alguma vez feito. Tinha tudo para falhar, e saiu uma obra-prima. Von Trier tentou aproximar-se minimamente disso e saiu a cagada do Melancholia - honestamente uma das piores coisas que já fui obrigado a ver na minha vida.
EliminarVanguardista, pioneiro, uma marca indelével da 7ª Arte que perdurará na memória colectiva num panteão sagrado.
ResponderEliminarAlém de ser um dos meus favoritos, é sem dúvida o filmmaker vivo que mais admiro juntamente com Eastwood.
E The Tree of Life é o seu magnum opus.
O Último dos Moicanos que faz realmente as coisas como quer e como pensa mesmo que para isso demore 15 anos...
ResponderEliminarVisto e respeitado pelos melhores, todos querem trabalhar com ele, é como uma afirmação dentro da própria afirmação de se ser bom actor.
Um estrondo de artista que, mesmo que tenha filmes que não goste tanto, tem sempre pormenores que são simplesmente de outra liga... Este gajo faz coisas que mais ninguém faz e poucos se podem gabar disso.
Quanto ao Tree of Life, não contem comigo :) Amo outros filmes dele bem mais que esse exercício de introspecção que sim, aí concordo, junta tudo o que ele sabe e quer saber da vida. A forma como vê os filmes e o seu Deus... é quase um Almanaque de tudo o que ele fez, mas... naaaa... não amo.
Só uma nota de rodapé, num registo mais másculo:
EliminarPesquisem no Google "Terrence Malick Natalie Portman", metam em Imagens, e vejam o que o melhor realizador do momento consegue fazer com a mulher mais bonita do mundo... Fiquei horas a ver 5 fotografias, literalmente apaixonado.
Não queria estar a dizer isto oficialmente, porque ainda não parei para pensar o suficiente, mas aqui vai: Para mim, Malick disputa o lugar de melhor realizador de sempre com Fellini.
ResponderEliminarEu tenho o Kubrick no Olimpo.
ResponderEliminarEu sei, agora é a tua vez! Boa sorte (tás fodido, o meu é muito mais fácil!) ;)
EliminarMelhor realizador de sempre, acima do Scorcese que era o era até eu ter descoberto o Mallick na década de 90 quando descobri o Badlands.
ResponderEliminarNuno Rechena