segunda-feira, 18 de março de 2013

De Rouille et d'Os

Realização: Jacques Audiard
Argumento: Jacques Audiard
Elenco: Marion Cotillard e Matthias Schoenaerts

Esta é a história de dois corpos. Duas massas, duas matérias e duas forças. As almas, essas ficaram para trás. De Rouille et d'Os trata da fragilidade humana. Do que o nosso corpo consegue ou não suportar, e da vida que existe para além dele.

Stéphanie trabalha no jardim zoológico. Comanda um exército de baleias assassinas, treinando-as para saltar, acenar, e avançar ao seu comando. E fá-lo com a determinação e a graciosidade que faltam à sua vida. Ali é um perdedor. Um vagabundo com uma criança ao colo. Uma besta que conta apenas com a sua força para ganhar a vida. Ali não pensa, age. Tudo o que faz é físico. Para trabalhar, luta. Para amar, fode. Ela chama-o assobiando, como às suas orcas. O animal terno e imprevisível. Conhecem.se fruto de violência, de sangue, de incapacidade - e a viagem que os espera vai fazê-los crescer como seres humanos, sentindo o seu próprio corpo como divino, sagrado. E é maravilhosa a forma como o realizador acompanha este filme, sempre no mesmo tom, sempre no mesmo sentido. Nunca parecendo deslocado.

Estamos perante uma obra-prima e definitivamente o segundo melhor filme do ano. Haneke fica no pódio, mas Audiard ganhou o segundo lugar. E eis que a Europa renasce das cinzas. Passaram os anos 60 e o tempo da contestação social. Os franceses largaram a ideologia e agora falam de pessoas - o cinema só tem a ganhar com isso.

Ao longo do filme, a realização de Audiard vai-nos transmitindo sensações que por palavras soariam falsas. Ele é uma rocha, ela está deprimida - mas nós vamos percebendo o que pensam, vamos conhecendo o que são e, acima de tudo, vamos sentindo o que sentem. Sentimos o sol a queimar-lhe a cara quando ela sai de semanas fechada no quarto, sentimos os dentes dele a bater no alcatrão enquanto lhe partem a cara num combate de rua - sentimos o gelo a abrir-lhe a mão enquanto tenta furiosamente salvar a vida ao seu filho.

Olhos mais sensíveis devem ter precaução. Este não é um filme fácil. Mostra-nos a vida tal como ela é: o melhor e o pior, o feio e o bonito, o bom e o mau, o forte e o fraco. Odiamos e amamos os dois personagens à medida que os conhecemos. Respeitamos as suas potencialidades e desprezamos as suas incapacidades. Mas somos seres-humanos. Somos multi-dimensionais, e também o são os personagens.

A história evolui ao longo de duas horas, e quando acaba parece que os conhecemos há anos. Ficamos a querer ver mais, a querer saber mais. A querer continuar a olhar o mundo através dos olhos de Audiard. É um mundo mais seco, mas mais resolúvel. À semelhança dos seus outros dois sucessos - Un Prophet e De Battre Mon Coeur S'est Arrêté - este filme faz-nos acreditar que tudo na vida tem uma solução, que todo o caminho acaba - e o fim só depende de nós.


Golpes Altos: Interpretações dignas de dois Óscares (ou secalhar são os Óscares que não são dignos destas duas interpretações). Realização de autor perfeita. É isto: perfeita!

Golpes Baixos: Algum conteúdo social a mais. A história dos dois bastava. Banda sonora de baixa qualidade para um filme desta categoria.

14 comentários:

  1. De rouille et d'os é, para mim, um dos melhores filmes do ano passado. Uma maravilha.

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  2. Man, tás a brincar? Banda sonora de baiza qualidade? Além de ser o desplat, tem coisas tão boas como Bon Iver, por exemplo. Acho a banda sonora perfeita, até a canção da Katy Perry nas baleias. Não percebes nada de música, pá. E tb não acho que "mostre a vida tal como ela é". A vida é muitas coisas, pá. esta é só uma outra visão. de resto, perfeito.

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  3. Lol epah katy perry? katy perry não fica bem em lado nenhum, muito menos num filme destes. e bon iver é um engodo. não gostei mesmo da banda sonora.
    quanto à vida, não estava a insinuar que o filme fale de tudo o que existe no mundo - até porque isso é um bocadinho difícil -, estava só a referir que nos mostra o melhor e o pior que há nas pessoas.

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  4. Ah, finalmente a review deste filme! Tive oportunidade de o ver há algum tempo, adorei e sempre fiquei à espera de uma nomeação pelo menos para a Marion Cotillard! Enfim, sem comentários... Não sei se diria que foi o 2º melhor filme do ano, sem dúvida o 2º melhor estrangeiro, isso sim. :)
    Este ano (passado) foi talvez o ano que mais me surpreendeu a nível de filmes estrangeiros. Amour, este filme, Intouchables, A Royal Affair... Tudo excelentes filmes!

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  5. Intouchables não gostei. O Royal Affair ainda não vi, tenho que ver. Mas eu ponho este à frente do The Master, do Django, do Killing them Softly e do Argo. Por isso para mim é o 2º melhor do ano (até agora).

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  6. Agora fiquei curiosa para ver uma review do Intouchables aqui! :)

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  7. Ahah epah não estava a pensar fazer porque já não está no cinema. Fiz agora deste porque supostamente estreou agora (e aqui ninguém saca filmes ilegalmente. tudo no cinema :P)

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  8. Claro! :P
    E por ter falado em filmes estrangeiros, esqueci-me de referir o Les petit mouchoirs, adoro cinema francês e adoro a Marion e ainda não tive oportunidade de o ver. Já viste? As críticas são positivas. :)

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  9. Já vi e é bom! Uma espécie de "Amigos de Alex" (The Big Chill), mas menos brilhante! :)

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  10. Vi ontem. Audiard é de longe um dos meus realizadores favoritos e, embora não ache que assine aqui a sua obra-prima - dificilmente alguma vez tocará a brutalidade conceptual, estética e narrativa de Un Prophète - deixa-nos com mais um enorme pedaço de cinema.
    Como o Buddy referiu e bem, fabuloso trabalho de actores (todos, até os secundários), com uma Cotillard que há muito me parecia brilhante mas que aqui se confirma definitivamente e um Schoenaerts poderosíssimo no papel de homem que sempre foi rude, sempre foi pobre, sempre foi iletrado, e que, dum momento para o outro, descobre uma luz ao fundo do túnel num tríptico tão distinto como humano: um filho pequeno que não quer, uma mulher sem pernas que mal conhece e o boxe.
    Arrebatador.

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  11. Um óscar para a Marion Cotillard? Tanto quanto é do meu conhecimento, o Oscar ainda é de melhor actriz, não de melhor atrás, e portanto não vejo como é que essa aventada possibilidade algum dia se poderá concretizar.

    Pequeno disclaimer: não vi o filme em causa (mas devo ir ver) e digo o que acabei de dizer com base no historial de canastrice que a Marion Cotillard vem garbosamente edificando desde que foi filmada pela primeira vez. Lembro, a este propósito, a morte da sua personagem no último Batman. Aquilo era suficiente para lhe exigir o caché de volta.

    Uma sugestão para o estimável Buddy (sem comentários nem adjectivações para não condicionar): vai ver a Caça.

    Fraternas saudações cinéfilas do one and only

    MASTER ÓSCAR PILANTRA

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  12. Master Óscar Pilantra e JP:

    1º - Sou o primeiro gajo a dizer que a Marion Coutillard é péssima. Tenho-o dito desde que a vi no La Vie En Rose (papel altamente sobrevalorizado, if you ask me), passando pelo Inception e pela sua desastrosa actuação neste último Batman (que quase ia destruindo a grandiosidade da película).

    Mas... a verdade é que ela neste filme está óptima. Mas mesmo óptima. Uma interpretação digna de Oscar, sem qualquer dúvida.

    2º - JP concordo que o Un Prophéte talvez seja ainda melhor que este. Mas para mim são os dois obras-primas.

    3º - Master Pilantra, tenho isso já sacado e pronto para ver! Faça favor o senhor de ver este, e depois comentar a actuação da Coutilard (ela neste não morre, por isso a coisa melhora)

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    1. Gosto muito da Cotillard de La Môme e De Rouille et d'Os. E gosto q.b. da Cotillard de Public Enemies, Les Petits Mouchoirs e Midnight in Paris.
      Se teve um ou outro papel fracote? Claro que sim, mas quem não tem?
      Não a tenho como uma Katharine Hepburn, mas daí a dizer que é péssima ou canastrona vai um mundo.

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    2. Epah não gosto nada dela no Midnight in Paris (outro grande filme envenenado pela sua actuação). Honestamente acho que o problema dela é quando tem que falar inglês. Chamo-lhe "Síndrome Penelope Cruz" - só é boa actriz na sua própria língua.

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