O homem, sozinho, em frente à Morte. No meio, um tabuleiro de xadrez. 'Do you ever stop questioning?' - pergunta a Morte. O homem sorri - 'No, I never do'.
Ingmar Bergman atravessou um século, construiu uma família, rodeou-se de amigos e a sua equipa de filmagem permaneceu idêntica ao longo de toda a sua filmografia. Foi amado, respeitado e deixou no cinema uma marca inegável - pairará para sempre sobre os semblantes dos grandes cineastas vivos, como que reprovando cada passo em falso, cada falta de autenticidade, cada desvio de personalidade. No entanto, nunca houve ninguém mais imensamente solitário, mais desesperadamente duvidoso acerca do seu papel no mundo.
O realizador manteve-se fiel aos temas que considerava importantes. A vida, a morte, a família, o amor, a loucura, a solidão perante os outros e perante Deus - eram estes os fantasmas de Bergman. Aos 8 anos perdeu a fé em Deus e aos 9 trocou todos os seus brinquedos por uma Lanterna Magica. Foi assim que Bergman começou o seu processo de isolamento. Sentiu o silêncio de Deus e trocou os seus olhos pelos da lanterna, começando a viver num mundo aparte - como a personagem de Harriet Andersson em Through a Glass, Darkly, o primeiro filme da sua trilogia do Silêncio de Deus.
Depois, e ao longo de toda a sua vida, Bergman dedicou-se à procura pelas respostas nunca encontradas. Na literatura, na ciência e na religião, Bergman bebeu o que pôde mas cedo percebeu que as respostas têm que ser dadas pelo próprio, nunca por outros. Creio que a filmografia de Bergman pode ser vista como o seu próprio crescimento, a sua própria aprendizagem e o quão perto terá chegado dessas respostas. A imagem que fica, é a de um realizador sozinho, tentando captar cada imagem como se fosse um quadro, exigindo dos seus actores um diálogo infrutífero com um Deus que, cruelmente, permanece calado, observante de um Bergman receoso de que Svidrigailov estivesse certo - 'We always imagine eternity as something beyond our conception, something vast, vast! But why must it be vast? Instead of all that, what if it’s one little room, like a bath house in the country, black and grimy and spiders in every corner, and that’s all eternity is?'
Talvez seja essa a razão da insistência das aranhas na concepção bergmaniana de Deus. Estou convencido que o grande medo de Bergman era tornar-se aquilo que nunca deixou de ser - um homem religioso que, como qualquer homem religioso, vive atormentado com a ideia da perda da fé, de que as suas preces sejam feitas em vão, perdidas para sempre no vazio da nossa existência. Bergman morreu aos 89 anos, na ilha de Faro, na costa da Suécia, que apadrinhou como sua e tornou palco das suas grandes obras. Imagino-o, nos seus últimos momentos de vida, a jogar xadrez com a morte - nunca reparando nos que o rodeiam, nunca parando de se questionar.
Belo texto :)
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ResponderEliminarEste é daqueles que já não existem, que puxou o Cinema para si e fez dele seu, moldando-o sob a forma dos seus sonhos, crenças, medos. Deu-lhe um twist, um cunho pessoal irreversível e impagável, e tornou-se imortal.
ResponderEliminarPoucos, quase nenhum, filmaram a pessoa, a voz e o diálogo como ele.
P.S. - As tuas retrospectivas merecem continuação.
A verdade é que resisti a Bergman durante demasiados anos da minha vida, com o preconceito deixado por alguns filmes menores e pelos olhos de um adolescente que ainda não sabe o que é bom (eu, claro, não o Bergman). Agora, finalmente, tenho idade para o desfrutar.
EliminarPS - Fico sentido e agradecido pelo voto de confiança! A verdade é que é a rubrica que me dá mais gozo, e irei continuar. O B 'tá-me a dever um Kubrick!