quarta-feira, 31 de julho de 2013

Phantom

Realização: Todd Robinson
Argumento: Todd Robinson
Elenco: Ed Harris, David Duchovny e William Fichtner


Lembram-se de uma altura em que ainda se faziam bons filmes de submarinos? Lembram-se de uma altura em que ainda se tentavam fazer filmes com David Duchovny? Lembram-se quando a Guerra Fria ainda era um tema fresco e interessante? Eu também não.

Mas a década de ‘90 viu filmes como The Hunt for the Red October ou Crimson Tide lutar por um lugar na História. Ao mesmo tempo, David Duchovny tentava arduamente sair da pele de Fox Mulder e entrar em Hollywood. Felizmente, nenhuma das investidas foi bem sucedida. Anos passaram, e o mundo do cinema parecia salvo. Mas eis que chega o novo filme de Todd Robinson, Phantom.

O filme conta a história de um capitão (Harris) e do seu submarino. Ambos traumatizados, ambos velhos, ambos chatos. O argumento é "inspirado em factos verídicos", e isso vai-se tornando progressivamente menos credível até, no fim, aparecerem fantasmas de marinheiros.

Tudo no filme é antiquado e mal feito. Maus diálogos juntam-se a maus actores (Duchovny), que por sua vez são decorados com uma cinematografia inexistente, uma realização capaz de aborrecer uma parede e uma banda sonora que parece uma versão pan pipes do "Paint it Black" dos Rolling Stones.

No fundo, Phantom é uma viagem a um passado recente – mas um que todos preferimos esquecer.




Artigo publicado em Jornal i - 01/08/2013

terça-feira, 30 de julho de 2013

Conversa de Café: "Filmes medianos/maus com um elenco de fazer inveja aos de topo"

Ideia do nosso leitor JPFerreira.

Atenção que nem sempre os actores que vão ser mencionados são bons, mas não deixam de ser actores que levam muita gente ao cinema e que são, naturalmente, caros! 

RED 2:
- Bruce Willis, John Malkovich, Anthony Hopkins, Helen Mirren, Catherine Zeta-Jones, Mary Louise Parker.

ARMAGEDDON:
- Bruce Willis, Billy-Bob Thorton, Ben Affleck, Liv Tyler, Steve Buscemi, William Fichtner, Will Patton, Owen Wilson, Peter Stormare.

CON AIR:
- Colm Meaney, John Malkovich, John Cusack, Steve Buscemi, Danny Trejo.

THE EXPENDABLES
Sylvester Stallone, Jason Statham, Dolph Lundgren, Jet Li, Eric Roberts, Randy Couture, Mickey Rourke, Steve Austin, Terry Crews, Bruce Willis, Arnold Schwarzenegger.

STATE OF PLAY:
Russell Crowe, Ben Affleck, Rachel McAdams, Helen Mirren, Jeff Daniels, Viola Davis, Robin Wright, Jason Bateman.

WHAT JUST HAPPENED
- Robert de Niro, Sean Penn, Bruce Willis, John Turturro, Robin Wright, Kirsten Steward, Stanley Tucci.

MARS ATTACKS!:
Jack Nicholson, Glenn Close, Pierce Brosnan, Annette Bening, Danny DeVito, Martin Short, Sarah Jessica Parker, Michael J. Fox, Rod Steiger, Paul Winfield, Jim Brown, Pam Grier, Tom Jones, Jack Black, Natalie Portman, Christina Applegate.

BOBBY:
Anthony Hopkins, Helen Hunt, William H. Macy, Demi Moore, Sharon Stone, Laurence Fishburne, Martin Sheen, Christian Slater, Joshua Jackson, Heather Graham, Freddy Rodriguez, Ashton Kutcher, Shia LaBeouf, Emilio Estevez, Lindsay Lohan, Mary Elizabeth Winstead, Elijah Wood

COLD MOUNTAIN:
Jude Law, Nicole Kidman, Renée Zellweger, Donald Sutherland, Eileen Atkins, Kathy Baker, Natalie Portman, Philip Seymour Hoffman, Brendan Gleeson, Ray Winstone, Giovanni Ribisi, Cillian Murphy, Jack White, Ethan Suplee.


Curiosidades:
- Mencionei 9 filmes.
- O Bruce Willis aparece em 4!

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Golpes de Génio - Syriana

Realização: Stephen Gaghan
Argumento: Stephen Gaghan
Elenco: George Clooney, Matt Damon, Jeffrey Wright, Amanda Peet, Chris Cooper, Mark Strong, Tim Blake Nelson, Christopher Plummer e William Hurt



Petróleo. O petróleo, hoje, é causa de ganância, corrupção, guerras, mortes. Mas isto não é novo. Antes era por sal, escravos, prata, cobre, ouro. Amanhã será por gás natural, cana de açucar, água. A única coisa que estas commodities têm em comum é simples: todas custam dinheiro. E quem está em cima quer dinheiro. Quem está em baixo, facilita a vida a quem está em cima por patriotismo, sentido de dever ou "idiotismo útil". E assim se vai mexendo o mundo. Motivado por interesses, cobiça, esquemas. Assim se tiram vidas, assim se comprometem nações. Os chineses com o seu dinheiro, os árabes com o seu petróleo, os muçulmanos com a sua fé, os americanos com o seu poder, os europeus em tentativas desesperadas de voltarem às glórias do passado. E, se analisarmos ao pormenor, todos desempenhamos o nosso pequeno papel na grande máquina humana. Dos políticos, aos empresários, aos jornalistas, aos advogados, médicos, farmacêuticos. Se investigarmos bem, descobrimos que o nosso canalizador tem responsabilidades na merda de mundo em que vivemos.

Syriana é um grande filme. É um filme que trata tudo, sem definir nada. É um filme que veste a pele da realidade que reflecte. Torna-se, por isso, um pouco confuso. Por não tentar transmitir uma mensagem, não tentar apontar uma culpa ou deixar uma conclusão mas, ao invés, mostrar apenas a complexa realidade do mundo em que vivemos, passando pelo papel de todas as nações, de todos os agentes económicos. No fundo, as situações descritas em Syriana são situações que, imagino, ocorrem todos os dias. Todos os dias morrem "idiotas úteis" como Bob (George Clooney). Todos os dias um advogado calculista (Jeffrey Wright) salva um oligopólio. Todos os dias se fazem fusões empresariais sob pretexto de serem consummer friendly, quando na realidade servem interesses maiores que qualquer lei de mercado. Todos os dias existem lutas de poder, casos de espionagem, vendas de armas por amigos ou amigos de inimigos. Todos os dias morre gente em nome do dinheiro, poder, religião, ressentimento. Cada dia que passa, o mundo torna-se um bocadinho menos bonito, em nome da sobrevivência dos mais fortes.

O filme envolve tantos personagens, tantas situações, tantos pormenores negociais e políticos que torna-se difícil acompanhá-los a todos em pormenor. Sugiro atenção, porque o filme merece-a. Ou talvez não seja suposto compreendermos tudo, mas irmos digerindo o que conseguimos. Porque é assim com as próprias personagens, nenhuma delas conseguindo ver "o filme todo", mas apenas a realidade que lhes está mais próxima. O objectivo, creio, é sermos apenas um espectador, não de um filme, mas de uma realidade que é demasiado variada e complexa para se compreender a fundo. O filme está cheio de grandes actores, grandes diálogos e grandes cenas. Mas um discurso, de um lobbyista interpretado por Tim Blake Nelson, parece-me uma boa forma de concluir este texto:

'Corruption charges. Corruption? Corruption ain’t nothing more than government intrusion into market efficiencies in the form of regulation. That’s Milton Friedman. He got a goddamn Nobel prize. We have laws against it precisely so we can get away with it. Corruption is our protection. Corruption is what keeps us safe and warm. Corruption is why you and I are prancing around here instead of fighting each other for scraps of meat out in the streets. Corruption... is how we win.'

Ouviram bem? 'Corruption... is how we win'.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Gone Baby Gone



Realizador: Ben Affleck
Argumento: Ben Affleck, Aaron Stockard, Dennis Lehane (Novel)
Actores: Casey Affleck,  Michelle MonaghanMorgan Freeman, Ed Harris

Não vi o filme na altura e acabei de o ver agora. Estou angustiado e parece que levei um enxerto de porrada na zona do estômago. Acho até que ganhei mais em vê-lo agora do que há 6 anos quando ele estreou.

Um filme que conta a história do desaparecimento de uma criança e de uma panóplia de pessoas a tentar descobrir o paradeiro da miúda. Depois há muitos twists e muitos "eheheh... esta não estavas à espera" no enredo para no final percebermos que a única pessoa séria no meio daquilo tudo era o detective privado contratado para ajudar no caso. Será?

A verdade é que isto tudo é o menos importante no filme... O mais importante é o crescendo que se cria no filme para chegar a um ponto extremado onde surge um momento que me vai ficar na cabeça para sempre... Que fazer numa situação daquelas? Ser racional e decidir pelo "é isto que devo fazer segundo as regras da sociedade onde me insiro", ou ser mais romântico e decidir pelo "quero lá saber o que devo fazer no papel, vou escolher a opção que faz sentido para mim". 

O actor principal toma uma decisão com a qual se protege, não arrisca... É a decisão "à americana" (se o filme fosse europeu a miúda ficava lá), a decisão que o vai fazer pensar a vida toda "mas eu fiz o que tinha que fazer". Mas nem sempre é assim... Por vezes temos que fazer coisas que não devemos fazer, no entanto teremos que saber lidar com elas o resto da vida... Ele como não conseguia fazê-lo com a outra hipótese que tinha, refugiou-se nesta até porque acreditava piamente nessa escolha. 

Fez bem? Fez mal? Só alguém muito pouco humilde é que pode ter uma afirmação dogmática sobre a melhor forma de resolver o problema... Eu acabei de ver o filme e não tenho opinião... Tenho apenas pena do gajo que perdeu tudo por causa da decisão que tomou e que ainda por cima dão-nos "pistas" que pode vir a arrepender-se.

No fundo, este filme é bom porque de uma forma bastante violenta consegue-nos colocar numa situação daquelas "para a vida" que nunca tinha visto ser tão bem colocada... Um "Preferes" impossível de resolver da melhor maneira porque nunca vamos saber... A puta da vida não tem 2 sentidos, quando se escolhe um nunca vamos poder saber como seria seguir pelo outro... 


PS: O autor da história é o mesmo do Mystic River... Um filme de excelência, um filme de topo, um filme perturbador até não dar mais... Ou seja, este autor não pode ser uma pessoa feliz...


Golpes Altos: Não ficava a pensar num filme desta forma há algum tempo. Casey Affleck é estrondoso e o Ben é incrível a contar histórias. A tensão do filme é brutal e a escuridão do mesmo também. Grande obra.

Golpes Baixos: Acho que há mini-twists a mais... Mas isto é uma coisa pessoal, haverá quem tenha adorado isso. 

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Only God Forgives



Realização: Nicolas Winding Refn
Argumento: Nicolas Winding Refn
Elenco: Ryan Gosling, Kristin Scott Thomas e Vithaya Pansringarm


 Na mitologia grega, a deusa Gaia casa com seu filho Urano e dá à luz os Titãs. Um desses Titãs, Cronos, ameaça a soberania do pai que, desesperado, tenta aprisioná-lo de volta no útero da mãe. Mais tarde, é Cronos que se vira contra o pai, a pedido da mãe, e o castra, lançando os seus testículos ao mar.

A mitologia está cheia de histórias bizarras, ultraviolentas. Pais que casam com as filhas, irmãos que dormem juntos, heróis castrados, impotentes, desesperados. Odisseias familiares sangrentas e perturbadoras. O novo filme de Nicolas Winding Refn, Only God Forgives, é um mito moderno de luz néon, no qual guerreiros fazem frente a dragões, semi-deuses, numa tentativa desesperada de regressar ao útero da mãe, depois de terem assassinado o próprio pai.

A estes contornos mitológicos, Winding Refn acrescenta uma ambiance noir que guia o espectador por entre o escuro e penetrante mundo de Bangkok after dark. Bangkok é um sítio perverso, um recanto do mundo onde tudo é possível, onde a cena das drogas, das lutas ilegais e da prostituição de menores se une numa só para satisfazer os caprichos de exílados ocidentais cujos hábitos de vida se tornaram demasiado negros para o mundo civilizado.

Assim é Julian (Gosling), um ex-veterano de guerra que gere um clube de Muay Thai como fachada para um negócio de droga. Ao seu lado, outro guerreiro, o irmão Billy. Ambos violentos, ambos perdidos, de almas titnuradas para além da salvação. Mas enquanto Billy deixa a sua violência e negritude correrem livres - 'I wanna fuck a 14 year old girl' - Julian mantem a sua raiva enclausurada, vítima de uma constante humilhação por parte da mãe (Scott Thomas) - 'Billy always had the biggest cock. Julian's was never small, but Billy's...'. Quando Billy é assassinado, Julian é coagido pela demoníaca matriarca para procurar e matar o seu assassino.

O filme segue uma tradição milenar de contos de vingança. Se fosse só isso, teria pouco para me cativar. A verdade é que Only God Forgives tem tanto de vingança como de perdão e impotência. O personagem de Julian começa uma interacção estranha com uma prostituta, com quem nunca tem relações sexuais. Os contactos apogeam quando Julian vê a prostituta masturbar-se à sua frente, esticando o pulso cerrado num gesto desesperado de pertencer a alguém.

O herói, aqui, é o vilão. O assassino do irmão, Chang, é um polícia que caminha pelas ruas em silêncio de espada às costas. É um semi-deus, um dragão - 'Time to meet the Devil' - e o guerreiro, por mais bem aventurado, não consegue derrotar o dragão. Chang simboliza a justiça, a placidez, o equilibrio, contra a tormenta interior de um ex-veterano que caminha por este mundo meio-adormecido, desligado, cujas mãos abertas em constantes planos pedem um perdão que só Deus pode dar.

Only God Forgives é uma obra de arte, e voltou a mostrar-me a beleza de um cinema de autor que nos transmite mensagens subliminares, cuja interpretação é necessária para que o ambiente e a história se unam num só. Palavras para quê? Os personagens quase não falam, as imagens contam a história. Only God Forgives fala das almas perdidas que deambulam pelo submundo à espera que uma espada os derrote, ou os perdoe.


Golpes Altos: Absolutamente tudo. Desde Gosling, passando por Scott Thomas até Pansringarm, as interpretações são fabulosas. A cinematografia, a fotografia, o argumento e realização são um só - de autor. A banda sonora de Cliff Martinez já tinha mostrado os seus frutos em Drive, aqui está ainda melhor.

Golpes Baixos: Críticos que deviam ser canalizadores ou jardineiros. A revista Sábado contribuiu hoje para a decadência da imprensa cultural nacional, quando deixou um senhor chamado Pedro Marta Santos dar 0% a este filme, sob o argumento de que é "pornográfico", comparando-o à Lista de Schindler de Spielberg que, segundo este senhor, também tem cenas "pornográficas". Pornográfica é a imbecilidade de certos críticos que deviam estar a escrever sobre programas de televisão e lhes é dada permissão para críticar arte.

 

quarta-feira, 24 de julho de 2013

At Any Price

Realização: Ramin Bahrani
Argumento: Ramin Bahrani
Elenco: Dennis Quaid, Zac Effron, Kim Dickens e Heather Graham


Já não há finais felizes, não nos dias que correm. Vivemos tempos amorais. Sofremos crises de identidade nacional, perda de valores familiares. Pelo menos, é esta a opinião de Ramin Bahrani, um novo talento multi-étnico residente em Hollywood.

Bahrani tem apostado numa carreira independente, alternativa, fora do circuito de Hollywood e com temas profundos, bem explorados mas desligados do interesse das massas. Os seus filmes anteriores envolviam um taxista do Senegal, um orfão sul-americano e um vendedor paquistanês. Escusado será dizer que Bahrani foi alvo de pouca atenção. Neste novo filme, o realizador de origem iraniana foca-se na iconografia clássica americana, mas com uma abordagem muito especial.

À vista desarmada, At Any Price parece um filme típico americano, com arquétipos fáceis e esgotados e um final previsível. Desenganem-se, este filme vai surpreender-vos de mil maneiras diferentes. Aqui, nada corre como nos filmes. A fotografia é brilhantemente executada mas com um toque realista que nos relembra de como eram feitos os filmes antes da era digital. Os arquétipos clássicos - o corredor de NASCAR, o agricultor americano, o self-made man patriarca, a cheerleader envelhecida e a teenager abandonada - são-nos apresentados aqui sem o esperado floreado. São pessoas imperfeitas, fracas, perdidas e destrutivas.

O filme começa por nos apresentar o sonho americano, faz-nos crer na sua concretização, e depois destrói tudo. Tudo. At Any Price é um filme complexo, pensado, que demonstra um enorme conhecimento do comportamento humano e uma perturbadora consciência da época difícil em que vivemos. Os sonhos aqui não se realizam, destroiem-se. Curiosamente, as personagens não aprendem com eles. Penso que Bahrani deixa a aprendizagem para o espectador, caso este entenda verdadeiramente os contornos de um filme como este. Recebi o filme como recebo grandes romances literários. Bahrani é um Steinbeck moderno mas a ira das suas vinhas passa para os campos de trigo.

A simplicidade dos cenários e da forma como Bahrani filma contrasta com a complexidade dos seus temas. A forma como explora os comportamentos dos personagens, as paixões destruídas, os casamentos falhados, as relações podres entre filhos e pais, entre o homem e a terra, entre a terra e o dinheiro, entre o dinheiro e a pátria - isto é uma obra rara e de uma coragem e confiança admiráveis. Bahrani agarra em ícones americanos manchados como Quaid e Efron e dá-lhes os papéis das suas vidas. Não consigo frizar isto o suficiente: Dennis Quaid tem aqui o papel da sua vida. E que papel! Nunca o pensei capaz de um feito destes.

O filme não é fácil, e quem o entender vai ficar mal disposto. Digo "quem o entender" não por ter uma narrativa complexa e cheia de twists, mas porque é uma obra inteligente e que facilmente passará por alguns olhos como "um filme clássico com alguma coisa estranha" (atenção, li isto numa crítica). Ora, a "coisa estranha" é a profundidade e a coragem de destruir tudo aquilo que o cinema tem vindo a ensinar-nos. Aqui, quem mata não é herói, não vence. Aqui, as pazes não resolvem tudo. As paixões perdidas não reacendem. As relações não se reconstroem. Aqui, a vida é como ela é, e nós temos que lidar com isso.


Golpes Altos: Um argumento brilhante, uma cinematografia nostálgica, uma realização clássica e interpretações espectaculares.

Golpes Baixos: Um cartaz, um título e um trailer que quase me impediram de ver uma das melhores obras de 2013.

terça-feira, 23 de julho de 2013

Pacific Rim

Realização: Guillermo del Toro
Argumento: Travis Beacham e Guillermo del Toro
Elenco: Charlie Hunnam, Idris Elba, Charlie Day, Ron Perlman e Rinko Kikuchi


Não há nada de pequeno no novo projecto de Guillermo del Toro. Nada de modesto, simples ou minimalista. Tudo é desproporcionado, caótico, gigante. À partida, isso não costuma funcionar como chamariz - pelo menos para mim. Se vejo um trailer em que robôs gigantes combatem monstros vindos das profundezas do oceano pacífico, a primeira reacção é torcer o nariz. Há uns anos atrás não seria assim. Quando era mais novo gostava tanto mais de um filme quanto maiores fossem os seus protagonistas e as suas explosões. Inevitavelmente, com a idade, os gostos começaram a mudar e parece-me que a qualidade dos filmes em questão também. A saga Star Wars transformou-se numa banhada cujo único ponto a favor é vermos a Natalie em fato de licra branco, e o remake do Godzilla fez-nos acreditar que secalhar já não tinhamos idade para estas merdas. Mas eis que chega Pacific Rim.

Del Toro quis dar-nos um épico blockbuster, com tudo aquilo a que temos direito - e mais. O formato híper-CGI, a banda sonora eléctrico-monstruosa, as porradas juro-por-Deus-mais-fixes-do-mundo fizeram-me sentir uma criança de 10 anos, colado ao sofá, de olhos arregalados para a fantástica brutalidade do cinema. Mas, e como se isto não fosse já suficiente, Pacific Rim esconde uma homenagem de um cineasta digital ao cinema analógico. É que a acção do filme esconde uma profundidade humana cuja mensagem principal é precisamente "o digital é sobrevalorizado, vamos voltar ao humano". Enquanto todos os Jaegers (robôs gigantes pilotados por dois humanos) digitais deixam de funcionar, a fé da humanidade resta no único Jaeger analógico e nos únicos pilotos com falhas humanas. E esta é uma homenagem, ainda falta o resto. Podem encontrar-se homenagens ao Metropolis de Fritz Lang, ao Evangelion dos anime-geeks, ao Frankenstein de Shelley, à Alice de Carroll, a Philip K. Dick. Meu Deus! E tudo feito com tão bom gosto, que se torna impossível não adorar.

E depois, temos a história. O ponto alto de Pacific Rim não são os efeitos espectaculares, a acção sempre surpreendente e inovadora, as referências geek-literárias ou os actores escolhidos a dedo (Charlie Day é um comic-relief fabuloso e Idris Elba é um dos homens com mais presença do cinema moderno). Não, o ponto alto de Pacific Rim é aquilo em que nos faz pensar nos intervalos da porrada. Pacific Rim, o paraíso CGI, é sobre relações humanas. Para guiar um Jaeger, são necessárias duas pessoas compatíveis em termos de memórias, de sentimentos, de intelecto, de combate e de alma. Em vez de cada uma das pessoas comandar uma parte do robô, ambos controlam o robô inteiro em sintonia. Para isso, é necessário um handshake que não é mais que um elo perfeito entre dois humanos. E, quando se perdem numa memória, diz-se que estão a "perseguir o coelho" - uma fantástica referência ao mundo de Lewis Carroll. Tudo neste filme sugere cooperação, coabitação. As nações metem os seus problemas de lado para combater a invasão, inimigos tornam-se amigos, dois cientistas percebem que não contam só os números nem só a biologia - têm que trabalhar em conjunto. A relação entre os dois protagonistas não é tanto amorosa mas mais afectiva, de compreensão e carinho. Tudo neste filme é sobre o ser-humano, por mais robôs e monstros que tenha. Quanto a mim, Del Toro está de parabéns. Se era um épico que queria, foi um épico que teve.


Golpes Altos: A inovação, a tecnologia, as homenagens, a história, os personagens, os conflitos, as porradas, as relações, os monstros, os robôs - a imaginação!

Golpes Baixos: A chinesa podia ser melhor actriz e Charlie Hunnam volta a mostrar o quão difícil é para um inglês fazer sotaque americano sem parecer um anormal.

 

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Dans La Maison

Realização: François Ozon
Argumento: Juan Mayorga (peça) e François Ozon
Elenco: Fabrice Luchini, Ernst Umhauer e Kristin Scott Thomas

O espectador é um voyeur, mas isso não é novo. Já havia sido explorado por Hitchcock na sua Rear Window. A peça de cinema pode ser utilizada como uma experiência, na qual o próprio cenário é palco de si mesmo - mas isto também não é novo, já tinha sido explorado por Kaufman em Synecdoche, New York. Então afinal, qual é o contributo do novo filme de François Ozon? É que o voyeur aqui não é só o personagem, somos nós, e o próprio cenário, a maison, serve como uma metáfora de si mesmo. Confuso? Calma.

Em Dans La Maison, assistimos a uma estranha interacção entre professor e aluno. A coisa começa bem, não há dúvida, mas acaba por desiludir. O aluno começa por jogar um estranho jogo com o professor, no qual lhe vai entregando capítulos de um romance que envolve a família de um outro colega. O aluno começa a envolver-se na família desse colega, entra dentro da vida dessa família. Existe tensão sexual. Mas entre quem? O pai? O filho? A mãe? Todos? O cenário está montado para um thriller psicológico que promete não chocar, não assustar, mas fazer pensar. Não estamos preparado para ver sangue, assassinatos ou violações mas, por algum motivo, não conseguimos descolar os olhos do ecrã. A dada altura, não fazemos ideia se será o professor a ensinar o aluno - enquanto lhe vai oferecendo Salinger, Orwell, Nabokov e outros voyeurs da literatura - se é o aluno que ensina o professor com a sua própria história ou, finalmente, se o ensinamento é mútuo, e a cumplicidade dos dois funciona para o bem da obra de arte.

Confesso que o filme me deixou colado ao ecrã. Adorei tudo: os personagens, a história, as referências, os diálogos, os actores. O filme tinha sentido de humor, tinha suspense, tinha profundidade, tinha parábolas e muito mais do que parecia á primeira vista. Mas, depois, falhou. Falhou porque Ozon deixou-se envolver pela sua própria criação, perdeu-se no labirinto que criou e o bom gosto e refinamento da primeira parte do filme ficaram para trás. No final, ficam apenas os jogos e a sua conclusão - e o filme prometia mais. O filme não começa como um simples thriller mas, infelizmente, acaba como um. No entanto, vale a pena ser visto. Não deixa por isso de ser um bom filme, mas acaba por não ser um grande. É pena porque, por instantes, achei que estava a assistir a um reinventar do cinema. Adoro que a arte brinque consigo própria, nos envolva no enredo como uma espécie de espectador participante. Faz-me lembrar os livros de capa verde em que jogávamos os dados para decidir onde ia parar a história - 'Derrotou o monstro verde? Salte para a página 32'. Mas a verdade é que um filme não pode ser só isso, tem que ter mais nata. E a nata de Dans la Maison ficou pelo caminho.


Golpes Altos: Grande primeira parte de filme. Argumento original (não no sentido literal, sendo que foi adaptado de uma peça, mas vocês percebem...) e bem explorado. Boas interpretações. Sentido de húmor muito bem vindo neste formato.

Golpes Baixos: A conclusão, a segunda metade do filme, a fina linha entre o thriller de autor e... o thriller?

 

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Golpes de Génio - The Assassination of Jesse James by the Coward Robert Ford

Realização: Andrew Dominik
Argumento: Andrew Dominik
Elenco: Brad Pitt, Casey Affleck, Mary-Louise Parker, Sam Rockwell, Paul Schneider, Jeremy Renner, Garret Dillahunt e Sam Shepard


Há algo místico e sobrenatural na figura do velho Oeste. O herói senta-se, pensativo. A sua figura, esguia e funesta, sugere cansaço e morte. A cobra aos seus ombros coloca-o acima do resto do mundo, um semi-Deus - 'he had a condition that was referred to as granulated eyelids, that caused him to blink more than usual - as if he found creation slightly more than he could accept'. Há algo místico em Jesse James. No filme, a sua figura destaca-se das outras, como se caminhasse num plano diferente. Vimo-lo pelos olhos da criança, do seu maior fã, do fraco, do cobarde e, ultimamente, do seu assassino Robert Ford.

O Oeste aqui é árido, abandonado, quase ultrapassado. Jesse é o seu filho, sofre entre depressões e uma incerteza se será este ainda o seu lugar no mundo. Brinca com os seus filhos, faz amor com a sua mulher, mas desligado de uma realidade que não o reconhece. Ninguém sabe quem é Jesse James, só Robert. E, talvez por isso, Jesse deposite em Robert a sua confiança, o seu zelo e a sua morte. Jesse é como o César enfurecido que vê traição em cada esquina e, no momento final, escolhe dar a Brutus a sua vida e, com isso, amaldiçoá-lo para sempre. É o preço a pagar por matar um deus. Robert nunca se torna no homem que sonhou tornar-se. É uma sombra de Jesse e traz no seu semblante o peso da cobardia. É um rato, fraco e subserviente ao lado de um gigante.

Estamos perante uma rara obra de arte. The Assassination of Jesse James by the Coward Robert Ford transcende o cinema, transcende a literatura. Atravessa vários campos sensoriais com a suavidade e a importância de quem sabe o que é e o que quer dizer. Para mim, é um dos melhores filmes de sempre. Um injustiçado, sem dúvida. Arrisco dizer que não se fez nada nos últimos 20 anos sequer parecido a isto. Talvez por isso tenha passado uma imagem de pretensão para quem não distingue pretensão de perfeição. Eu gosto de literatura. Gosto, porque me dá coisas que o cinema não me consegue dar. Dá-me uma profundidade que é difícil atingir com imagens. Com imagem, tudo se torna mais fácil, mais conquistável. Jesse James conseguiu o impensável.

O filme conta os últimos dias do bando dos irmãos James, ou do que resta deles. Cada personagem contém dentro de si o tamanho de um filme. É maravilhoso ver como os diálogos reflectem pessoas complexas. É difícil conhecer quem passa pelo filme e, talvez por isso, seja longo e tenha a ajuda de um narrador lírico. Em termos técnicos, podia dissecar cada elemento do filme e isto tornava-se num manual de cinema 101 para futuros génios. Mas seria injusto, o filme eleva-se a uma categoria de cânone que "é logo existe". Jesse James, o bandido, descansa em paz. Fez-se justiça na forma de um filme. Não é preciso dizer mais nada.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Warm Bodies



Realizador: Jonathan Levine
Argumento: Jonathan Levine, Isaac Marion (Romance)
Actores: Nicholas HoultTeresa PalmerAnaleigh Tipton, John Malkovich

Receita: Pega-se numa moda, mistura-se com um clássico eterno e outro relativamente moderno. Resultado? Warm Bodies! Este filme é uma mistura de Zombies com o Romeu e Julieta passando por alguns (muitos) momentos de Eduardo Mãos de Tesoura. Como é possível correr mal?

O Realizador trouxe-nos em 2011 o fantástico 50/50 onde, mais uma vez, dá uma perspectiva diferente de um tema habitualmente abordado com ferramentas bem diferentes. O resultado foi excelente. E agora?

Em Warm Bodies o risco é brutal... O Realizador assume-o e sai por cima precisamente por não pensar que está a arriscar seguindo o seu argumento com uma coragem que me conquistou desde o início.
O filme enquanto não desvenda a história principal vive de pormenores e detalhes fantásticos... Amei a narração inicial, a forma como um Zombie explica o que é uma vida de Zombie, o dia-a-dia, o aborrecimento, os outros iguais a ele, a frieza, a falta de diálogo, a falta de vida... Depois cruzamo-nos com os vivos e esta mistura é a chave do filme, a forma como se ligam, se entendem e como juntos mudam o mundo. Pirosada? Em qualquer outro filme sim, seria... Neste não!

Entretenimento puro, muito bem conseguido e muito bem escrito. Este filme simples e pouco sério tem mais cuidado com pormenores e com o argumento que grandes produções que se levam demasiado a sério e que assumem à partida que vão ter bons resultados. Atenção, está longe de ser um grande filme... mas arrisco dizer que qualquer pessoa que o veja vai gostar e vai passar uma excelente hora e meia. Isto não é um sinal de sucesso?

Dois actores vindos de filmes menores que aqui mostram um profissionalismo inesperado. A maravilhosa Teresa Palmer que entrou em coisas como o The Grudge e o surpreendente Nicholas Hoult que é nada mais nada menos que o puto insuportável do About a Boy. Muito boa química, ele melhor que ela mas ambos bem na fotografia.

Warm Bodies é o tipo de filme que me leva a acreditar que o Cinema continua a ter muito para dar, desde que se consiga safar do novelo que por vezes o envolve e que não deixa que se arrisque um pouco mais.


Golpes Altos: O Argumento! Os detalhes e a personagem do Zombie. A BANDA SONORA!

Golpes Baixos: A cena do salto para o Lago... Que horror! A qualidade dos FX (mas o budget não deu para mais!).

Passion

Realização: Brian De Palma
Argumento: Brian De Palma
Elenco: Rachel McAdams e Noomi Rapace


Por vezes, é difícil distinguir méritos na concepção de um filme. Onde acaba o trabalho de um realizador e começa o de um cinematógrafo? Será que os actores são mesmo bons ou é a direcção que os safa? O argumento é espectacular ou parece melhor pela forma como o realizador o conduz? Bem, como resposta a todas estas perguntas, chega-nos o mais recente filme de Brian De Palma. O realizador responsável por Scarface e The Untouchables andava afastado do grande ecrã há mais de cinco anos - agora percebe-se porquê.

Vou ser breve, porque este filme não merece grande análise. O que De Palma fez aqui, foi agarrar em duas actrizes de alto gabarito, uma boa história, uma excelente banda sonora, e fazer um cagalhão de filme que se torna quase insuportável de ver até ao fim. Foi horrível. Houve alturas em que pensei que não ia aguentar mais, que teria de me desculpar neste post pela impossibilidade de criticar uma obra cujo final era para mim desconhecido. Mas consegui. Superei todos os obstáculos colocados por De Palma até para o mais bem aventurado espectador.

A história anda à volta de várias obsessões sexuais entre colegas de trabalho. Chefes que querem comer secretárias que querem comer executivas que querem comer um gajo que anda lá p'ró meio sabe Deus a fazer o quê. A única coisa que parece não acontecer naquele escritório, é trabalho. Os protagonistas estão única e exclusivamente preocupados em serem vendados e colocarem máscaras e beberem champagne. Estou interessado, para onde é que mando currículo? Bom, provavelmente para lado nenhum. O conhecimento que De Palma tem do mundo empresarial é semelhante ao conhecimento que tem da mente humana, das relações ou de como se faz um filme - zero!

E, quando achamos que o filme não pode estar mais mal feito, as actrizes não podem estar pior e a sincronização dos planos com a música sabe a amadorismo de um estudante de cinema da Reboleira, eis que o filme desata numa sucessão de twists e plot points absolutamente ridículos que, vejam bem, até mete uma gémea má no fim. De Palma, não me faças perder mais o meu tempo - principalmente se vais fazer um filme "sexy" com lesbianismo em que não se vê absolutamente NADA! Só por causa disso, vou voltar a ver o Black Swan, para não me esquecer de como se faz um bom filme e uma boa cena de lésbicas.


Golpes Altos: A música de Debussy - Prélude à l'Après-midi d'un faune. E uma cena ou outra em que Rachel McAdams sobrevive á péssima realização de De Palma e nós reparamos que ela é boa actriz.

Golpes Baixos: A realização, a realização, a realização.

terça-feira, 16 de julho de 2013

Conversas de Café - "Há realizadores que não sabem envelhecer..."

Já foi aqui discutido o mau envelhecimento de certos actores de Hollywood. Os últimos filmes de monstros como Al Pacino, Robert DeNiro, Johnny Depp e até o falecido Marlon Brando foram flops que ameaçaram terminar carreiras gloriosas da pior forma possível. Mas os actores não são os únicos a padecer desta virose.

Ao analisarmos a carreira de realizadores como Danny Boyle, Guy Ritchie, Brian De Palma, Oliver Stone, Tim Burton e até o grande Coppola é como se estivessemos a assistir ao cansaço de uma antiga Miss Universo cujas plásticas não escondem um diabólico apetite por donuts.

Vamos por partes, e corrijam-me se estiver errado (ou não corrijam, qué p'ra eu não m'irritar).


1) Danny Boyle fez Shallow Grave, Trainspotting, The Beach, Millions e o espectacular Sunshine. E depois não vai de modos, e sai-se com a desgraça premiada que é o Slumdog Millionaire e a desgraça (por enquanto) não premiada que é Transe.

2) Guy Ritchie... Era tão bom quando ainda era um chunga inglês. Agora tem a mania que tem classe, mas perdeu o toque. Rock'nRolla é uma imitação barata dos seus primeiros sucessos e os Sherlock Holmes são filmes de entretenimento sem grande valor para além disso. E não esquecer aquela bosta que fez p'ra saltar à cueca à Madonna.

3) Brian De Palma... gostava de poder dizer que foi um realizador brilhante, mas nunca foi. Scarface é o seu melhor filme, e está longe de ser uma obra-prima. Mas o gajo tinha talento, não digo o contrário. Até chegar Black Dahlia e a porcaria do Passion que estreou esta semana.

4) Oliver Stone. Se alguém viu Savages ou Alexander the Gayest - palavras para quê? Bons velhos tempos do Natural Born Killers.

5) Tim Burton. Este já não é bom há tanto tempo que só me lembro de gostar dele em criança. Ao seu lado na espiral recessiva está Johnny Depp e Helena Bonham Carter. Alguém que os pare, por favor.

6) Francis Ford Coppola. Reconheço que é difícil superar o melhor filme de sempre, e o melhor filme de máfia de sempre. Mas, ainda assim, nada justifica a mediocridade de Tetro ou Youth Without Youth.


Alguma coisa a dizer?

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Sightseers

Realização: Ben Wheatley
Argumento: Alice Lowe e Steve Oram
Elenco: Alice Lowe e Steve Oram

Não sou fã de humor britânico. Acho-o pretensioso, arrogante, antiquado, aborrecido e peca por não cumprir com o propósito principal de uma comédia - não me faz rir. Também não gosto de filmes com pessoas feias. Principalmente se forem dois ingleses branquinhos, gordinhos e mal vestidos. Desculpem, mas há coisas que não suporto. Até poderia desculpar a falta de charme dos personagens caso fossem interessantes ou inteligentes, mas são duas pessoazinhas horríveis, "lixo branco" campista que adora viajar em auto-caravana e cuja ideia de partir à aventura é passear pelo country-side inglês com calções acima do joelho e meias a cobrir o resto da perna - blergh.

Dito isto, Sightseers tem a sua graça. Tem a sua graça porque está bem escrito, muito bem realizado e com dois personagens semi-complexos cujas atitudes psicóticas servem de parábola para o casamento. Ele, Chris, é um assassino psicopata regrado. Ele tem um estilo próprio, um modus operandi que segue à risca e que dá à sua psicopatia uma certa razão de ser. Ela é frustrada, passiva-agressiva, novata na arte de matar e profundamente fascinada por ele. Ela faz-lhe mal. 'I've killed more people in two days with you than I've killed in the last three months alone'. A parte boa, é que se amam muito. Poderia dizer-se que só se estraga uma casa mas, sendo que se tratam de dois assassinos em série, estraga-se bem mais que isso.

Escondida sob uma capa de humor negro, está uma crítica social engraçada. Ao longo do filme, chegam-nos agradáveis surpresas que nos fazem acreditar que há mais em Chris e Tina do que aparenta. A crítica social é uma crítica de classes, muito à maneira inglesa. Chris é um aspirante a escritor de classe média-baixa, de esquerda, naturalista, que segue a tradição inglesa da vida pastoral em comunhão com a natureza - mas em versão trailer park trash. Isto percebe-se quando Chris e Tina matam a sua primeira pessoa juntos e ela se mostra em choque com o sucedido e ele sossega-a 'He was not a person, he was a Daily Mail reader'. Juntamos estes pequenos pormenores com uma passagem do poeta inglês William Blake a ser recitada durante um assassinato e poderíamos ter um filme interessante e original. Mas, ainda assim, não me convence.

O problema de Sightseers, está na sua génese. Originalmente, Chris e Tina eram dois personagens criados pelos dois actores numa série de sketchs de humor britânico. E isso talvez tivesse resultado melhor, dentro do "melhor" que pode ser o humor inglês que permanece inalterado desde o final dos anos '70. Mas em filme, isso perde-se. Perde-se porque, na verdade, o filme não tem interesse. Não apetece continuar a ver, tem cenas de apenas curiosidade estética e, perdendo a piada graças à insistência naquele tipo de humor seco, torna-se aborrecido. Dando crédito ao realizador Ben Wheatley pela sua ousadia de câmara e aos dois actores e argumentistas pela criação das personagens, acho, no entanto, que Sightseers seria um desperdício de bobine, caso esta ainda existisse.


Golpes Altos: Os dois actores, sem dúvida. A realização, os personagens e a escolha da banda sonora.

Golpes Baixos: A história não tem interesse suficiente para se fazer um filme dela. No final, fica a sensação de tempo perdido.

domingo, 14 de julho de 2013



Realizador: Pablo Larraín
Argumento: Pedro Peirano, Antonio Skármeta
Actores: Gael García Bernal, Alfredo Castro, Luis Gnecco

Numa época conturbada no que toca a política, chega-nos um filme da época da queda do Pinochet. Não deixa de ser curioso ver que algumas ferramentas usadas para estas batalhas políticas sejam idênticas por muito que os anos passem.

Numa altura em que estava fora da moda ter presos políticos, milhares de pessoas contra o regime desaparecidas, outras tantas mortas e manifestações resolvidas à lei da bala, é lançado um Referendo no Chile onde o povo poderia escolher entre o "Si" que sugeria a continuidade do regime ditatorial do Augusto, e o "No" que sugeria a queda desse mesmo regime.
Engraçado que histórias recentes sobre derrubes de ditadores se passem normalmente em África, mas esta passou-se no Chile em 1988.

Isto podia-se tornar num filme normal e ainda mais parcial do que é, mas não, a onda "Mad Men" que lhe deram acaba por ligar-nos a um factor deste tipo de guerra que por vezes passa despercebido: o poder dos Media.
Esta história é-nos contada do ponto de vista do Publicitário (Gael) que fica responsável pela campanha do "No". Tudo se centra na guerra deste mundo poderoso que é o dos Media, tudo se centra nos videos que produzem semanalmente para a sua campanha, isto porque o responsável pelo "Si" é nada mais que o Patrão do Gael na Agência de Publicidade onde trabalha.

Não, não é um filme chato que vive apenas dos ritmos e dos símbolos da Publicidade. É um filme que nos conta uma história de um momento muito complicado que tinha tudo para acabar mal e que, porque um grupo acreditou que podia dar certo, deu mesmo certo. O que portanto parece uma evolução de qualquer romance pouco credível, é de facto um resumo de uma vitória que aconteceu mesmo e que devolveu alguma dignidade a um país nas malhas da ditadura.

Acreditem no que digo, o filme é muito menos chato do que este post.

A realização deixou-me confuso porque parece um filme dos anos 70 mas é um filme a retratar o final dos anos 80... Ainda assim tem um ritmo e uma naturalidade que é mesmo agradável de se ver, tudo muito cru mas sem que nos afaste do filme, é super envolvente.

Gostei que não exagerassem nas tensões provocadas pela pressão do regime a quem lutava pelo "No", claro que as retrataram mas evitaram o modo Telenovela.

Das melhores surpresas que tive este ano.


Golpes Altos: Perspectiva da história que querem contar, facilidade com que nos vemos envolvidos com o filme e naturalidade com que o argumento se desenrola.

Golpes Baixos: O Gael é muito bonito e tem boa "imprensa", mas não é um grande actor... Claro que ele faz sentido neste papel, mas um "monstro" poderia elevar este filme para outro nível... Porque não um Bardem?

sexta-feira, 12 de julho de 2013

After Earth

Realizador: M. Night Shyamalan
Argumento: Will Smith e M. Night Shyamalan
Elenco: Will Smith, Jaden Smith


O pai ensina-o a respirar, ensina-o a pensar. Pede-lhe que se ajoelhe, que se acalme - 'Fear is not real. The only place where fear can exist is in our thoughts of the future. It is a product of our imagination, causing us to fear that which does not at present and may not event exist. That is near insanity'. Esta é a lição principal de um filme que é feito para nos ensinar, ou relembrar, de alguns ensinamentos importantes e aquilo de que somos feitos. O filho tenta provar-se a um pai cujos feitos não dão espaço para outro homem em casa. Não é fácil, envolverá uma separação - para que o filho cresça, o pai terá que o largar, guiá-lo à distância - pelas estrelas.

After Earth é um filme sobre crescimento, e o próprio filme parece crescer com o tempo. Depois de um começo fraco, pouco claro acerca de si mesmo, deixando-nos a temer pelo pior, inicia-se uma bonita fábula que, ainda que bem ao estilo de M. Night Shyamalan, consegue limpar o cadastro do seu último flop 'The Last Airbender'. Para muitos, este não foi o único erro do realizador que prometia ser o próximo Hitchcock. Os seus espectadores mais criticos odiaram 'Lady in the Water' e 'The Happening'. Eu discordo.

Acho que percebo M. Night. Percebo o que ele quer fazer com a sua carreira, percebo o papel que está a tomar como realizador. Shyamalan está a construir um fabulário. Começou com 'Signs', em que nos ensina sobre a fé, o perdão e o destino. Passou para 'The Village', onde nos ensina sobre a bondade, a inocência e o que significa protegê-la. Em 'Lady in the Water', consolidou na perfeição uma fábula para crianças com um ensaino acerca de cinematografia e guionismo - para mim, é um dos seus melhores filmes e uma verdadeira obra de arte. Agora, com After Earth, o fabulário continua.

Desta vez, Shyamalan junta-se a Will Smith e cria uma história fabulosa acerca da coragem, do medo, da esperança e do que significa proteger e criar. Uma águia protege as suas crias e mais tarde protege Kitai (Jaden Smith) como se o seu próprio pai nela se materializasse. A águia morre, mas ensina-lhe uma lição. O planeta terra foi destruído por nós, e isso ensina-nos uma lição. Kitai quer dizer esperança em Japonês e o salto que Kitai dá da montanha, em desafio às ordens do pai, é um salto de fé. After Earth não é uma obra de arte, não é um filme perfeito - é uma história que promete ensinamentos a crianças e a adultos, e estou certo que cumprirá o seu propósito.


Golpes Altos: Um argumento sólido, alguns momentos de realização bonitos e fiéis ao estilo do realizador.

Golpes Baixos: Ainda que considere Jaden Smith uma promessa de Hollywood, acho que ainda não ganhou estatuto para ter um filme centrado nele. Não tem idade para ser a voz-off de um filme desta dimensão. Quanto a M. Night, deixa um pouco a desejar nos momentos mais introdutórios do filme, em que o suspense e a fantasia não têm lugar.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Golpes Indie - In Our Nature

Realização: Brian Savelson
Argumento: Brian Savelson
Elenco: John Slattery, Zach Gilford e Jena Malone


Pais e filhos. O tema não é novo, e os problemas também não. No entanto, há algo de fresco e agradável na abordagem de Brian Savelson - e estou a perceber o quê à medida que escrevo. É algo pouco concreto, pouco definitivo. Algo entre 1 hora de diálogos pouco profundos e o estranho aparecimento de um urso pardo na sala de estar. Mas já lá vamos.

In Our Nature é um drama familiar muito indie. A história anda à volta de um pai e um filho, e as respectivas namoradas. Há uma tensão sexual politicamente incorrecta mas verdadeiramente provável, há tensão familiar com muita coisa deixada por explicar mas que o espectador entende como natural. É isto! O que distingue o drama da paternidade de Savelson de todos os outros, é que não tenta resolver nada, não tenta explicar nada. O filme é construído por diálogos naturais, como se esta família existisse mesmo e, no fim, ela permanece igual.

Os personagens estão coesos, realistas e convincentes. O pai pertence a uma geração que comia carne, fazia a cama, gostava das coisas limpas e arrumadas, dava valor ao dinheiro porque nasceu sem ele. O filho é vegan - 'I thought you said vegetarian. Anyway, what's the difference?' - toca viola, dá valor a questões pós-materialistas, ocscila entre trabalhos como cozinheiro e como... outras coisas. Escusado será dizer que este cenário vai parecer familiar a muitos filhos de classe média, com um apetite pela vida fora da cidade e algumas lembranças de uma altura longínqua em que havia um pai presente, uma casa com luz a entrar pelas janelas e risos ocasionais de pessoas. Agora, ficam os conflitos, os desentendimentos, as diferenças agudizam-se e os ursos pardos que nos entram pela sala adentro servem para nos lembrar que o caos, o conflito e a destruição - fazem todos parte da nossa natureza.


Golpes Altos: Boas interpretações por parte de Slattery e Malone. Um argumento sólido, agradável e original. Uma fotografia que acompanha a naturalidade da realização e do sítio escolhido para filmar.

Golpes Baixos: Uma interpretação medíocre de Gilford e uma má interpretação por parte da namorada do pai.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Conversas de Café - "É mais difícil fazer de gajo normal do que de gajo cheio de tiques"

O que é um bom papel?
Todos sabemos dizer de forma mais ou menos categórica que este ou aquele actor fez um bom papel neste ou naquele filme.

Tenho uma opinião muito concreta de que alguns papéis aparentemente bons são no entanto fáceis de interpretar. Papéis com muito conteúdo para ser trabalhado tecnicamente não dependem de talento puro mas sim de trabalho árduo. Longe de mim achar que são papéis menos válidos ou fracos, mas se me pedem para comparar, acho mesmo que prefiro talento puro e prefiro papéis mais discretos que não precisam de histerismos para vingar.

Assim sendo, passo aos exemplos para tornar esta discussão mais prática:

Russel Crowe:
- Excelente no "The Informer" e aborrecido no "Beautiful Mind".

A ideia passa por tentar fazer ver que dá trabalho um papel de deficiente, de autista, de gajo cheio de problemas psicológicos, de louco, mas é muito mais difícil dar nas vistas num papel menos técnico e mais "real".

Não é por acaso que toda a malta que faz papéis em filmes da 2ª Guerra ganham óscares, é que aí todos sofrem muito, todos choram muito, todos berram muito, todos têm muito por onde pegar para fazer crescer o personagem!

Difícil é fazer um papel contido, algo que só explode de vez em quando sem dar muito nas vistas. 

Claro que o "dar nas vistas" tem excepções claras no que toca a qualidade e dificuldade nos papéis... Ora o Day-Lewis não fosse o melhor actor vivo tendo sido autor no "There Will Be Blood" de uma bíblia de como representar... 

O Jack Nicholson adora sobressair, adora ser o centro do filme... Mas sabe fazê-lo como poucos evitando passar às vezes a barreira do histerismo e over the top que tantas vezes aponto ao Al Pacino ou ao Denzel Washington. Actores de quem gosto mas que estão para mim longe do Olimpo.

Para perceberem o que digo, os meus papéis preferidos do Jack Nicholson não são no Shining nem no As Good as it Gets mas sim no About Schmidt, Chinatown e claro, A flew over the cucus nest. Basta ver os filmes e perceber o quanto tem ele para se "agarrar". O papel no Shining e no As Goos as it Gets tem certamente inúmeras páginas de personagem para estudar, tanta coisa... tantos tiques, tanta loucura... eu vejo o talento do homem nos outros filmes mencionados. 

Já agora, para picar o buddy:

Tom Cruise:
- Excelente no "Eyes Wide Shut" e aborrecido no "Nascido a 4 de Julho".

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Despicable Me 2 - Quo Vadis, Portugal?



Caros administradores da ZON-Lusomundo, UCI Cinemas e restantes distribuidores,

O país está em crise. Os juros da dívida aumentam, o investimento diminui. Temos desemprego, desemprego jovem, desemprego menos jovem e até os reformados tentam voltar ao mercado de trabalho.

Neste cenário de miséria e dependência externa, assistimos impávidos e serenos enquanto vimos os nossos jovens a preguiçar em dias de praia quando deviam estar a esforçar-se o dobro do normal. Assistimos enquanto o nosso serviço se torna cada vez pior, enquanto tudo desce de qualidade e as pessoas parecem tornar-se mais incompetentes de dia para dia. Isto são aquelas coisas que não podemos atribuir à crise - a incompetência é sistémica neste país, e a preguiça também.

E no meio de tudo isto, estão os senhores. Os senhores queixam-se que ninguém vai ao cinema, mas também não se lembram de colocar um empregado por sala (até podem ser aqueles que vimos a passear nos corredores sem nada para fazer), para controlar os animais que acham que ir ao cinema é como ver um filme em casa, e que qualquer fala ou twist na história é digna de ser comentada em voz alta, para que todos possamos ouvir o que têm para dizer. Lembram-se de uma altura em que ir ao cinema ainda era uma coisa com o mínimo de classe? Com o mínimo de seriedade? Ainda havia malta para nos sentar, ainda havia um silêncio característico de um "espectáculo" - porque, afinal, é isso que o cinema é.

E, como se tudo isto não fosse degradante o suficiente, existe a escolha de filmes. Não sei que género de anormais é que os senhores empregam para escolher os filmes que vão para cartaz, mas garanto-vos que há gente com mais qualidade disposta a ganhar metade do que eles ganham. E aqui entra a questão "Despicable Me 2".

Não me querendo alongar mais em críticas ao vosso miserável funcionamento, gostava apenas de vos perguntar o porquê de terem adquirido os direitos de distribuição do novo filme de animação "Despicable Me 2" apenas em versão dobrada? Portugal sempre teve esta vantagem relativamente aos restantes países do sul. Enquanto os anormais dos espanhóis e os limitados dos italianos dobram toda a merda que lhes vai parar ao cinema e depois estranham chegarem aos 20 anos sem saber falar inglês, nós conseguimos fugir dessa tradição europeia assombrosa e primar pela diferença. E agora, até nisso regredimos?

Tenho pena, e claramente não se pode colocar as culpas na crise. Se pode servir para alguma coisa, é para distinguir aqueles que são verdadeiramente bons dos medíocres. Mas, infelizmente, país que de medíocres é feito, medíocre há de morrer.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Hummingbird

Realização: Steven Knight
Argumento: Steven Knight
Elenco: Jason Statham e uma gaja péssima


Todos gostamos de Jason Statham. É um gajo com pinta, mauzão, inglês e careca ao ponto de nos fazer acreditar que não faz mal perder algum cabelo. Mas o grande trunfo de Statham, é a sua capacidade de dar porrada. Até agora, apenas Guy Ritchie o conseguiu utilizar de outra forma. Com Snatch e Lock, Stock and Two Smoking Barrels, Statham foi o anti-herói que balançava entre o perigoso e o cómico mas, em Revolver, "The Stath" - como é carinhosamente apelidado pelo público inglês - mostrou-nos que afinal consegue ir mais longe que uns murros e umas chapadas.

Quando vi o trailer de Hummingbird, lembrei-me do Revolver de Ritchie, lembrei-me que o realizador e argumentista era o mesmo de Dirty Pretty Things e de Eastern Promises, deixei que o ambiente criado pelo cinematógrafo me envolvesse nos dois minutos de trailer e pensei - "Isto vai ser bom!". Não foi.

De facto, Hummingbird é mesmo, mesmo péssimo. E o que irrita mais, é que podia não ser. Como disse, o trabalho de cinematografia é impressionante, e os ingleses voltam a mostrar-me que existe mais que um lado de Londres. Esta Londres é neon, é alta, é escura. Parece mais Bangkok do que uma capital de 1º mundo. E a história, ou pelo menos a sua premissa original, não é de todo má. O veterano de guerra alcoólico coaduna-se com o semblante de Statham e a a rede de prostituição e máfia chinesa estão bem enquadradas. Mas Knight já nos tinha mostrado que sabia inventar histórias, ainda não tinha era mostrado que não sabia escrever diálogos - e não sabe. São péssimos, péssimos, péssimos, e a história de amor é das coisas mais horríveis que já fui obrigado a ver, que nos obriga a desviar a cara num ataque de vergonha alheia.

E a realização? É horrível. Ponto final. É uma má estreia por trás da câmara para o guionista inglês e deixa uma má marca numa carreira relativamente equilibrada de Jason Statham, que permanece o herói de acção com uma ou duas pérolas pelo caminho. E o resultado desta combinação explosiva de excelentes aspectos gráficos com péssimos de conteúdo, dá-nos a constante sensação de estar a ver um filme de Nicolas Winding Refn, caso este tivesse batido com a testa na sanita. Ah e, por muito que se goste de Statham... Não tem metade da intensidade de Gosling.


Golpes Altos - Fotografia, Cinematografia, Statham à porrada.

Golpes Baixos - Argumento, Realização, Statham a chorar... e quem é aquela freira? Por amor de Deus...

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Retrospectivas - Sofia Coppola


'The unexpected connections we make might not last, yet stay with us forever'


'Heavy lies the crown', dizem os entendidos. Sofia discordaria. Nasceu com a mais pesada herança do cinema moderno, e superou todas as expectativas com a classe, elegância e placidez que só poderiam surgir de uma mente feminina. Curioso, se considerarmos que três dos seus quatro filmes - até à data - dividem a sua atenção entre a perspectiva masculina e feminina, parecendo compreender as fragilidades, os anseios e a solidão de ambos os sexos - como se em Sofia houvesse um pouco de tudo, masculino e feminino, cuidadosamente harmonizados para não ferir susceptibilidades.

Ao pai, foi buscar o profissionalismo, o conhecimento. Ao irmão, foi buscar a estranheza. Ao marido, a música. Mas os seus filmes transcendem a técnica, são mais que uma soma de todas as partes. Piscam-nos o olho à alma, e isso Sofia foi buscar a si mesma. Coppola estreou-se no cinema com uma adaptação do livro The Virgin Suicides, uma ode aos erros da juventude, aos amores perdidos, aos malefícios de uma má educação, à profundidade esquecida dos 16 anos. Conquistou-me imediatamente. Pareceu-me que existia alguém que compreendia os meus anseios, as minhas dores. Havia alguém que punha um filtro na câmara e via as raparigas a brilhar por entre cabelos e desejos, como eu as via.

Mas Sofia encontrou o seu lugar uns anos mais tarde, com a obra-prima Lost in Translation. A tradução do filme em português explica a abordagem da realizadora face ao amor, face à crise de meia-idade e do início de vida. Com o filme, levou um Oscar de Melhor Argumento Original, e relançou Bill Murray no que viria a ser uma nova carreira de sucesso. Pessoalmente, considero-o um dos filmes mais importantes de sempre, pela forma como reinventou o cinema, as relações e a arte. Sofia transformou a arte-pop em algo verdadeiramente significativo, utilizando os decorativos típicos do género para sustentar algo profundo e verdadeiro.

Peço-te, Sofia, que continues a usar a câmara como os meus olhos para o mundo. Mantém a inocência e a pureza da juventude porque é dela que vive a arte. Quanto a mim, continuarei a utilizar-te para fugir à frieza do mundo, e lembrar-me que a idade, tal como o amor, é um lugar estranho.