Realização: Ramin Bahrani
Argumento: Ramin Bahrani
Elenco: Dennis Quaid, Zac Effron, Kim Dickens e Heather Graham
Já não há finais felizes, não nos dias que correm. Vivemos tempos amorais. Sofremos crises de identidade nacional, perda de valores familiares. Pelo menos, é esta a opinião de Ramin Bahrani, um novo talento multi-étnico residente em Hollywood.
Bahrani tem apostado numa carreira independente, alternativa, fora do circuito de Hollywood e com temas profundos, bem explorados mas desligados do interesse das massas. Os seus filmes anteriores envolviam um taxista do Senegal, um orfão sul-americano e um vendedor paquistanês. Escusado será dizer que Bahrani foi alvo de pouca atenção. Neste novo filme, o realizador de origem iraniana foca-se na iconografia clássica americana, mas com uma abordagem muito especial.
À vista desarmada, At Any Price parece um filme típico americano, com arquétipos fáceis e esgotados e um final previsível. Desenganem-se, este filme vai surpreender-vos de mil maneiras diferentes. Aqui, nada corre como nos filmes. A fotografia é brilhantemente executada mas com um toque realista que nos relembra de como eram feitos os filmes antes da era digital. Os arquétipos clássicos - o corredor de NASCAR, o agricultor americano, o self-made man patriarca, a cheerleader envelhecida e a teenager abandonada - são-nos apresentados aqui sem o esperado floreado. São pessoas imperfeitas, fracas, perdidas e destrutivas.
O filme começa por nos apresentar o sonho americano, faz-nos crer na sua concretização, e depois destrói tudo. Tudo. At Any Price é um filme complexo, pensado, que demonstra um enorme conhecimento do comportamento humano e uma perturbadora consciência da época difícil em que vivemos. Os sonhos aqui não se realizam, destroiem-se. Curiosamente, as personagens não aprendem com eles. Penso que Bahrani deixa a aprendizagem para o espectador, caso este entenda verdadeiramente os contornos de um filme como este. Recebi o filme como recebo grandes romances literários. Bahrani é um Steinbeck moderno mas a ira das suas vinhas passa para os campos de trigo.
A simplicidade dos cenários e da forma como Bahrani filma contrasta com a complexidade dos seus temas. A forma como explora os comportamentos dos personagens, as paixões destruídas, os casamentos falhados, as relações podres entre filhos e pais, entre o homem e a terra, entre a terra e o dinheiro, entre o dinheiro e a pátria - isto é uma obra rara e de uma coragem e confiança admiráveis. Bahrani agarra em ícones americanos manchados como Quaid e Efron e dá-lhes os papéis das suas vidas. Não consigo frizar isto o suficiente: Dennis Quaid tem aqui o papel da sua vida. E que papel! Nunca o pensei capaz de um feito destes.
O filme não é fácil, e quem o entender vai ficar mal disposto. Digo "quem o entender" não por ter uma narrativa complexa e cheia de twists, mas porque é uma obra inteligente e que facilmente passará por alguns olhos como "um filme clássico com alguma coisa estranha" (atenção, li isto numa crítica). Ora, a "coisa estranha" é a profundidade e a coragem de destruir tudo aquilo que o cinema tem vindo a ensinar-nos. Aqui, quem mata não é herói, não vence. Aqui, as pazes não resolvem tudo. As paixões perdidas não reacendem. As relações não se reconstroem. Aqui, a vida é como ela é, e nós temos que lidar com isso.
Golpes Altos: Um argumento brilhante, uma cinematografia nostálgica, uma realização clássica e interpretações espectaculares.
Golpes Baixos: Um cartaz, um título e um trailer que quase me impediram de ver uma das melhores obras de 2013.
Argumento: Ramin Bahrani
Elenco: Dennis Quaid, Zac Effron, Kim Dickens e Heather Graham
Já não há finais felizes, não nos dias que correm. Vivemos tempos amorais. Sofremos crises de identidade nacional, perda de valores familiares. Pelo menos, é esta a opinião de Ramin Bahrani, um novo talento multi-étnico residente em Hollywood.
Bahrani tem apostado numa carreira independente, alternativa, fora do circuito de Hollywood e com temas profundos, bem explorados mas desligados do interesse das massas. Os seus filmes anteriores envolviam um taxista do Senegal, um orfão sul-americano e um vendedor paquistanês. Escusado será dizer que Bahrani foi alvo de pouca atenção. Neste novo filme, o realizador de origem iraniana foca-se na iconografia clássica americana, mas com uma abordagem muito especial.
À vista desarmada, At Any Price parece um filme típico americano, com arquétipos fáceis e esgotados e um final previsível. Desenganem-se, este filme vai surpreender-vos de mil maneiras diferentes. Aqui, nada corre como nos filmes. A fotografia é brilhantemente executada mas com um toque realista que nos relembra de como eram feitos os filmes antes da era digital. Os arquétipos clássicos - o corredor de NASCAR, o agricultor americano, o self-made man patriarca, a cheerleader envelhecida e a teenager abandonada - são-nos apresentados aqui sem o esperado floreado. São pessoas imperfeitas, fracas, perdidas e destrutivas.
O filme começa por nos apresentar o sonho americano, faz-nos crer na sua concretização, e depois destrói tudo. Tudo. At Any Price é um filme complexo, pensado, que demonstra um enorme conhecimento do comportamento humano e uma perturbadora consciência da época difícil em que vivemos. Os sonhos aqui não se realizam, destroiem-se. Curiosamente, as personagens não aprendem com eles. Penso que Bahrani deixa a aprendizagem para o espectador, caso este entenda verdadeiramente os contornos de um filme como este. Recebi o filme como recebo grandes romances literários. Bahrani é um Steinbeck moderno mas a ira das suas vinhas passa para os campos de trigo.
A simplicidade dos cenários e da forma como Bahrani filma contrasta com a complexidade dos seus temas. A forma como explora os comportamentos dos personagens, as paixões destruídas, os casamentos falhados, as relações podres entre filhos e pais, entre o homem e a terra, entre a terra e o dinheiro, entre o dinheiro e a pátria - isto é uma obra rara e de uma coragem e confiança admiráveis. Bahrani agarra em ícones americanos manchados como Quaid e Efron e dá-lhes os papéis das suas vidas. Não consigo frizar isto o suficiente: Dennis Quaid tem aqui o papel da sua vida. E que papel! Nunca o pensei capaz de um feito destes.
O filme não é fácil, e quem o entender vai ficar mal disposto. Digo "quem o entender" não por ter uma narrativa complexa e cheia de twists, mas porque é uma obra inteligente e que facilmente passará por alguns olhos como "um filme clássico com alguma coisa estranha" (atenção, li isto numa crítica). Ora, a "coisa estranha" é a profundidade e a coragem de destruir tudo aquilo que o cinema tem vindo a ensinar-nos. Aqui, quem mata não é herói, não vence. Aqui, as pazes não resolvem tudo. As paixões perdidas não reacendem. As relações não se reconstroem. Aqui, a vida é como ela é, e nós temos que lidar com isso.
Golpes Altos: Um argumento brilhante, uma cinematografia nostálgica, uma realização clássica e interpretações espectaculares.
Golpes Baixos: Um cartaz, um título e um trailer que quase me impediram de ver uma das melhores obras de 2013.
Andamos em sintonia. Fui vê-lo este fds.
ResponderEliminar"O filme não é fácil, e quem o entender vai ficar mal disposto" - disseste tudo aqui. O filme está cheio de murros no estômago. O sofrimento daquela família chega a ser palpável. Cada um com o seu fardo, por motivos completamente distintos, e, no final, unidos pelo segredo.
Gostei bastante. E não estava à espera. O título é medonho, sem dúvida.
Quando vi o título e o trailer, não dei nada por ele, mas ainda bem que há surpresas.
ResponderEliminarE há mesmo surpresas. Vale uma ida ao cinema mas, caso a crise não deixe, também está disponível em meios menos legais.
ResponderEliminarCM: fico contente por não ter sido o único a arriscar :)
A cinematografia é realmente boa e as interpretações também. E é verdade que é um filme que foi publicitado de forma errada para aquilo que é, uma versão dura e realista de uma família a desmoronar completamente.
ResponderEliminarAinda assim, não consegui ficar presa ao filme, não sei porquê, houve ali qualquer coisa que não me convenceu. :(
Quanto a papéis do Quaid, continuo a adorá-lo no Frequency! :)
Também gosto do frequency e até simpatizo com o Quaid, mas não o sabia capaz de um papel destes honestamente.
EliminarA mim o filme prendeu-me, surpreendeu-me e serviu para me relembrar que ainda se pode reinventar o cinema.